I – O Berçário Globalizado
Há modas que chegam com a delicadeza de uma pandemia emocional: agora são adultos a usar chupeta. No trânsito, no trabalho, em casa, entre uma reunião e outra com o chefe que acredita ser a reencarnação do Excel. A chupeta tornou-se o novo símbolo da calma — uma espécie de yoga oral, versão “Made in TikTok”. Dizem que começou na China, como tudo o que o Ocidente ainda não inventou, e alastrou aos Estados Unidos e ao Brasil, onde já há “influencers” a vender kits de silicone com sabor a camomila. É o triunfo da regressão, a maternidade universal transformada em ‘trend’.
II – A Filosofia do Biberão Corporativo
Isto é tão estúpido, imbecil, cretino, anta, boçal, ignorante, asinino, asno, bronco, burro, estulto, idiota, ignaro, imbecil, inepto, inhenho, lento, lerdaço, lerdo, néscio, obtuso, palerma, parvo, tacanho, tapado, tolo — e talvez eu esteja a ser generoso. Imaginem-me a entrevistar o Primeiro-Ministro espanhol, sem gravata nem vergonha, com uma Chicco azul pendurada ao pescoço. Ofereço-lhe outra, novinha, em gesto diplomático, para “estreitar relações ibéricas de serenidade”. Eis o novo pacto peninsular: menos política, mais chucha. Se isto não é o retrato perfeito da decadência civilizacional, então não sei o que será — talvez a reunião do Conselho de Ministros transmitida em ‘baby monitor’.
III – A Chucha da Autoridade
Projectemos outra cena: sou mandado parar pela GNR porque caiu a matrícula ao meu Polo de 20 anos. O guarda aproxima-se, olha para mim e eu, plácido, ponho a chupeta. Ele hesita entre multar-me ou abanar-me um guizo. E assim nascem as novas formas de resistência: já não se enfrenta o sistema, chucha-se. Um gesto que mistura submissão e autoajuda, a versão de bolso da terapia comportamental. O cidadão moderno é uma criança armada em adulto — ou o contrário, que já ninguém distingue.
IV – A Psicologia do Desmame Social
Mas já anda aí uma jovem psicóloga a justificar a aberração: «Sabemos que o movimento repetitivo e de sucção, de chuchar uma chupeta, apazigua os bebés, é quase uma primeira sensação de controlo. Enquanto adultos diria que não é a sucção propriamente dita que nos faz ficar calmos, mas é o propósito que colocamos nessa ação. É a ideia de estarmos a controlar a ação». Ó doutora, convença-nos de que mais vale a chucha que a mama farta! Que “propósito” é esse, senão o de engolir a própria dignidade? Controlar a acção com uma chupeta é como pilotar um avião com um biberão: pode até ser terapêutico, mas o desfecho é sempre o mesmo — o desastre.
V – Sinergias do Ridículo
Aqui há anos, a pancada era despejar um balde de água gelada pela cabeça abaixo, para mostrar solidariedade com doenças que ninguém compreendia. Depois veio a febre das palavras: “sinergia”, “resiliência”, “narrativa”. Hoje é “autocuidado”, que é o modo poético de dizer “preguiça existencial”. A chupeta é o mais recente degrau dessa escada para o abismo — o apogeu da infantilização do Ocidente. Um dia, a Humanidade descobriu o fogo; noutro, o bronze; e agora, o silicone terapêutico. Se Platão tivesse visto isto, teria posto Sócrates de castigo no recreio.
VI – O Berço Final da Civilização
O mundo caminha alegremente para a creche definitiva: adultos com chupeta, adolescentes com diagnóstico e velhos com filtros de juventude. É a ditadura do conforto, onde ninguém quer crescer porque dá muito trabalho. Vivemos a era do “chuchar para não chorar”. E é essa, talvez, a maior ironia: quanto mais adultos nos queremos parecer, mais bebés nos tornamos.
No fim, resta-me uma dúvida filosófica: se o futuro é este, onde o cidadão se pacifica com tetinas, será que Freud não estava errado — apenas adiantado? Talvez o destino da humanidade seja, afinal, regressar ao útero digital, embalados por algoritmos e chupetas fluorescentes. Que dia luminoso!