Hoje, provavelmente, Alberto Pimenta escreveria um discurso mais duro. Ou, como faz, estava-se marimbando, porque a coisa já não vai. Num país onde a ironia é património e a desfaçatez é moeda corrente, o “Discurso sobre o Filho da Puta”, esse tratado de 1977, brilha como farol num pântano de hipocrisia. Pimenta, esse poeta que nunca pediu licença para cuspir verdades, apontava o dedo aos sonsos, aos espertos, aos que se pavoneiam com gravatas de seda enquanto vendem o país a retalho. Mas, caros concidadãos, o tempo passou, e o que era uma profecia tornou-se um manual de instruções. A culpa? É de todos, claro, que a democracia é um espelho onde ninguém gosta de se mirar.
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A Sinfonia da Melancia Compaginada
No final dos anos 80, deixou-se cair a palavra “sonso”, esse termo tão português que descrevia o esperto de cara lavada, o mestre do engano com sorriso de anjo. Foi uma tragédia silenciosa, substituída pela ‘compaginação’, esse neologismo que soa a contrato assinado na tasca do Sr. Luís dos Caracóis do Arco, onde melancias se alinhavam com malas de notas e turbinas eólicas giravam ao som de ‘sinergias’. Ó quão belo é o progresso, quando o betão se casa com o vento e todos brindam com vinho de pacote! Mas, enquanto se celebrava a união, os sonsos já planeavam o próximo assalto, rindo baixinho como quem sabe que o bolo é grande, mas os convivas são poucos.
Os Okupas de Palacetes e Outras Farsas
E assim se desculparam os retornados, os okupas de luxo que, com lágrimas de crocodilo, ocuparam palacetes na Lapa, enquanto os verdadeiros deserdados dormiam em caixas de cartão. Que generosidade, indultar o MDLP e o ELP, esses grupos de cavalheiros de charuto que jogavam à revolução como quem joga às cartas num casino de província! As FP25, essas, ficaram na memória, porque o folclore gosta de vilões com nome catchy, enquanto os outros, iguais ou piores, escaparam com um véu de ‘resiliência’, essa palavra que os sonsos foram semeando como quem planta minas. E o povo, esse eterno espectador, aplaudiu, porque nada diz “progresso” como esquecer o passado com um sorriso.
A Marcha dos Cágados e dos Profetas
Veio depois a era dos profetas, com planos de não-sei-quem, a Troika, a desTroika, e a fuga dos cágados para os corredores da Europa e das Nações Unidas, onde se pavoneiam com fatos caros e discursos baratos. O Chico da Tina e o Cara de Espelho, esses, não são filhos da puta, a cantar, mas maestros de uma orquestra onde todos tocam desafinado. E os intelectuais, esses estimados pensadores de meia-tigela, escritores do já escrito, sobem, sobem, como balões de hélio num céu de mediocridade, enquanto a taróloga Manuela Bravo, em transe, previa como Pimenta mais um ciclo de ‘sinergias’ e ‘compaginações’. Mas o que sobe, desce, disse um dia Pacheco Pereira, e o chão está cada vez mais sujo.
O Ágape Branco e o Silêncio Ensurdecedor
Alberto Pimenta tinha razão, em 1977, em 1997, em 2007, e terá em 2027, porque o filho da puta não envelhece, apenas troca de fato. A culpa, essa, é dos que vão votar, dos que escolhem entre o mau e o pior, como quem escolhe entre um prato de sopa fria e um pontapé nos dentes. Mas, como sugeriu Saramago na sua rara lucidez, talvez o ágape branco seja a solução, um voto em silêncio que ecoe mais alto que os discursos ocos. Nesse dia, o “Discurso sobre o Filho da Puta” será somente um monólogo num palco vazio, e os sonsos, sem plateia, talvez se vejam ao espelho. Ou, mais provavelmente, compaginarão um novo esquema, porque o filho da puta nunca descansa, e o povo, esse, adora um bom espectáculo.
O Eterno Retorno do Filho da Puta
E assim, num país onde o absurdo é lei e a ironia é oxigénio, o filho da puta reinará, porque o povo o coroa com votos, aplausos e ‘sinergias’. Talvez um dia, num rasgo de génio, se erga uma estátua ao sonso, com uma placa que diga: “Ao eterno compaginador, com amor e resignação.” Até lá, que se brindem as melancias, que se ocupem os palacetes, e que o Chico da Tina cante, porque o espectáculo, esse, nunca acaba.








