Portugal viveu, nas últimas três décadas, alguns dos incêndios florestais mais devastadores da Europa. Este artigo reúne os cinco maiores fogos, detalha a sua dimensão e impacto, e analisa como mudou a resposta técnica e judicial ao fenómeno
- Pedrógão Grande, Junho de 2017
O incêndio de Pedrógão Grande, que alastrou a concelhos vizinhos de Leiria e Coimbra, é recordado como a maior tragédia associada ao fogo em Portugal. Em apenas quatro dias arderam mais de 53 mil hectares e morreram 66 pessoas, muitas delas em estradas cortadas pelas chamas.
O fogo expôs falhas graves no sistema de alerta e coordenação, mas também originou mudanças estruturais na Protecção Civil.
- Piódão e Serra do Açor, Agosto de 2025
Em pleno Verão de 2025, um incêndio iniciado nas encostas do Piódão, no concelho de Arganil, consumiu a maior área florestal da década. Durante 12 dias ininterruptos, o fogo devastou cerca de 42 mil hectares, espalhando-se pela Serra do Açor e atingindo concelhos vizinhos de Oliveira do Hospital e Góis.
A dimensão das frentes obrigou à mobilização de mais de 1.800 operacionais e 40 meios aéreos, incluindo aviões Canadair internacionais. Apesar da violência das chamas, não houve vítimas mortais, resultado da rápida evacuação de aldeias e do reforço da coordenação no terreno.
Este incêndio, já considerado o segundo maior em área ardida desde 1995, relançou o debate sobre o ordenamento florestal e a vulnerabilidade das serras centrais.
- Sertã e Oleiros, Julho de 2017
Poucas semanas depois de Pedrógão, outro incêndio atingiu o distrito de Castelo Branco. Atingiu 24 mil hectares e obrigou à evacuação de várias aldeias.
Embora não tenha provocado vítimas mortais, este fogo colocou à prova os meios disponíveis, revelando dificuldades na gestão simultânea de grandes frentes activas.
- Covilhã e Serra da Estrela, Agosto de 2022
O incêndio que devastou a Serra da Estrela começou na Covilhã e atingiu o Parque Natural. Destruiu 28 mil hectares de floresta e pastagem.
Apesar da extensão, não causou mortes, resultado da melhoria nos sistemas de evacuação, da mobilização de 1.200 operacionais e do reforço com meios aéreos.
- Nisa e Alto Alentejo, Julho de 2003
Em pleno Verão de 2003, o distrito de Portalegre foi assolado por um incêndio que consumiu mais de 21 mil hectares. A intensidade das chamas foi agravada por temperaturas superiores a 40 graus e ventos fortes.
A escassez de meios aéreos à época tornou este fogo difícil de controlar, deixando um rasto de destruição ambiental.
- Monchique, Silves e Chamusca, Verão de 2003
No mesmo ano, a serra algarvia e zonas do Ribatejo registaram incêndios de grande escala, que juntos ultrapassaram os 18 mil hectares.
As populações locais recordam ainda hoje a rapidez com que o fogo se propagou nas encostas de Monchique, alimentado por eucaliptais densos e falta de limpeza florestal.
O que mudou em 30 anos de combate aos fogos
Ordenamento florestal
Apesar de planos sucessivos, o ordenamento florestal mantém fragilidades. A fragmentação da propriedade e o abandono agrícola continuam a favorecer a propagação do fogo, mesmo com incentivos à gestão agrupada.
Meios humanos e aéreos
Nos anos 1990 os fogos eram combatidos quase só por bombeiros voluntários e viaturas terrestres. Hoje existe uma frota aérea nacional reforçada: em 2025 já operavam mais de 30 aeronaves em simultâneo em grandes fogos.
Equipas profissionais da GNR, sapadores florestais e Força Especial de Protecção Civil garantem maior continuidade e capacidade técnica.
Sistemas de alerta e previsão
A evolução é clara: da rádio e telefone fixo passou-se para sistemas digitais, satélites e comunicações em tempo real. Plataformas do ICNF e da Protecção Civil permitem despachos rápidos e monitorização permanente do risco.
Área ardida e vítimas
A área ardida média diminuiu face à década de 2000, embora anos extremos — 2003, 2017 e 2025 — mantenham recordes preocupantes. O número de mortos também desceu, sinal de melhor preparação, embora aldeias isoladas continuem vulneráveis.
Investigação criminal e responsabilização
O papel das polícias
A PJ e a GNR criaram unidades especializadas em incêndios, recorrendo a drones, análise forense de telemóveis e vigilância apertada. Esta aposta aumentou a taxa de detecção de ignições criminosas.
Detenções e julgamentos
Até Agosto de 2025 foram 94 detenções por fogo posto. Entre 2018 e 2024, cerca de 250 arguidos chegaram a tribunal e dois terços foram condenados.
As condenações incidiram maioritariamente em incêndio negligente ou doloso.
Penas aplicadas
A média das penas tem sido de 3 a 4 anos de prisão efectiva, havendo ainda casos de internamento psiquiátrico compulsivo para reincidentes com perturbações mentais. Actualmente, mais de 60 condenados cumprem pena em estabelecimentos prisionais.
Portugal tem hoje mais meios
Trinta anos de tragédias forçaram o país a evoluir. Portugal tem hoje mais meios, tecnologia e coordenação no combate aos fogos. Contudo, a falta de ordenamento florestal e a criminalidade ligada ao fogo posto mantêm o risco elevado.
O balanço mostra avanços, mas também vulnerabilidades persistentes que exigem vigilância e políticas de longo prazo.