A Associação Frente Cívica foi uma das primeiras entidades a apelar à Assembleia da República que impeça que o diploma sobre a construção em solos rústicos produza efeitos. Agora, sete dias passados sob o apelo de Joao Paulo Batalha ter pedido, “com urgência, a revisão deste decreto-lei, impedindo que ele venha a produzir efeitos”. Quatro partidos com acento parlamentar pedem a sua reapreciação porque o decreto-lei que flexibiliza a lei dos solos contribui para a especulação imobiliária. Unindo a sua voz à Associação Frente Cívica.
O Bloco de Esquerda (BE), o PCP, o Livre e o PAN requereram esta quinta-feira a apreciação parlamentar do decreto-lei que flexibiliza a lei dos solos, argumentando que o diploma contribui para a especulação imobiliária e não responde aos problemas na habitação.
O pedido de apreciação parlamentar foi assinado pelos 14 deputados dos quatro partidos e argumenta que o decreto-lei publicado em Diário da República na passada segunda-feira é feito ao “arrepio do conhecimento científico sobre o desenvolvimento e expansão dos perímetros urbanos” e é contrário à legislação europeia em vigor em matéria ambiental.
O documento lembra ainda que o Presidente da República considerou esta alteração da lei dos solos um “entorse significativo” e a promulgou justificando-se com a urgência do uso de fundos europeus, mas sem considerar que os projetos submetidos no âmbito do Plano de Recuperação e Resiliência no âmbito habitacional e do Primeiro Direito “foram entregues sem que este “entorse” estivesse previsto”.
“Significa isto que esta alteração terá outro fim que não a urgência de responder aos problemas de habitação indigna, de construção de habitação acessível ou até da utilização atempada dos fundos europeus”, pode ler-se no pedido de apreciação entregue na Assembleia da República.
Os partidos alegam ainda que, ao contrário do que defende o Governo, “não há falta de terrenos urbanos em Portugal” e esse “não é um fator limitativo à edificação” que justifique a alteração à lei.
BE, PCP, Livre e PAN defendem ainda, citando um “site” da autoria dos arquitetos Aitor Varea Oro, Sílvia Jorge e Helena Roseta, que a distinção entre solos rústicos e urbanos é “essencial do ordenamento do território” e que a reclassificação do solo rústico como urbano vai traduzir-se “sistematicamente numa multiplicação de valor e tem grande impacto no mercado fundiário”.
Facilitar especulação imolbiliária
Em conferência de imprensa no parlamento, a coordenadora do Bloco de Esquerda, Mariana Mortágua, anunciou que a iniciativa conjunta tem como objetivo a revogação da alteração promulgada recentemente, considerando que o Governo está a “abrir portas à especulação imobiliária”.
Anunciou ainda que o partido vai pedir a audição parlamentar urgente do ministro das Infraestruturas e Habitação, Miguel Pinto Luz, o ministro Adjunto e da Coesão Territorial, Castro
Almeida, de Jorge Moreira da Silva (que era ministro do Ambiente em 2013, quando a lei dos solos foi originalmente aprovada), a Associação ZERO e a arquiteta Helena Roseta.
Mortágua referiu também que não houve um convite ao PS para se juntar a esta iniciativa da esquerda parlamentar e lembrou que foram os socialistas, enquanto Governo, a dar início que deram início ao que diz ser um “processo de liberalização da lei dos solos”.
A porta-voz do PAN Inês de Sousa Real alertou que esta alteração à lei, por atribuir uma maior responsabilidade às autarquias, pode aumentar o risco de corrupção e lamentou o impacto ambiental da decisão.
A apreciação de decretos-lei é um instrumento de fiscalização legislativa que permite ao parlamento apreciar e fazer alterar ou cessar a vigência do diploma em apreciação e deve ser subscrito por, pelo menos, dez deputados e entregue na Mesa da Assembleia da República nos 30 dias subsequentes à publicação do decreto-lei no Diário da República.
Em causa está a publicação, na segunda-feira, do decreto-lei n.º 117/2024, que altera o Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 80/2015, de 14 de maio), e que irá permitir a construção e urbanização em terrenos onde atualmente não é possível.
Marcelo avisa para “entorse significativo”
A alteração à lei dos solos já tinha sido promulgada pelo Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, na quinta-feira. À data, o chefe do Estado alertou para “um entorse significativo” no regime de ordenamento e planeamento do território, mas justificou a promulgação com “a urgência no uso dos fundos europeus”
O decreto-lei em causa permite o aumento da oferta de solos destinados à construção de habitação.
Em 28 de novembro, o Governo divulgou a aprovação de um decreto-lei que altera o Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial (RJIGT), permitindo o aumento da oferta de solos destinados à construção de habitação.
“Pretende-se garantir um regime especial de reclassificação para solo urbano, cuja área maioritária deve obrigatoriamente ser afeta a habitação pública ou a habitação de valor moderado. O conceito de habitação de valor moderado, agora criado, procura abranger o acesso pela classe média, ponderando valores medianos dos mercados local e nacional para assegurar a realização de justiça social”, podia ler-se no comunicado do Conselho de Ministros.
O ministro da Presidência, António Leitão Amaro, tinha explicado em 28 de novembro que as medidas procuram “cortar na burocracia”, nomeadamente através da criação de um “regime excecional” que permite, por decisão dos órgãos municipais construir, edificar, fazer urbanização onde hoje não é possível.
Em causa estão solos classificados como rústicos. De acordo com o Governo, 70% desta edificação tem de ser destinada à habitação pública ou a valores moderados, excluindo assim a habitação de luxo.
António Leitão Amaro precisou ainda que a medida vai proteger os valores naturais mais sensíveis, onde se inclui a Rede Natura (áreas de conservação de “habitats” e espécies selvagens de risco), terrenos agrícolas de maior potencial e outras zonas de risco.