A União Europeia receia ser inundada por produtos chineses baratos, como automóveis eléctricos e electrónica, desviados pelas barreiras tarifárias impostas pelos EUA. Bruxelas procura agora equilibrar a defesa das suas indústrias sem agravar tensões comerciais globais.
A imposição de novas taxas alfandegárias por Washington sobre uma vasta gama de produtos oriundos da China acendeu sinais de alarme em Bruxelas e nas principais capitais europeias. O principal receio é que mercadorias como aço, têxteis e, sobretudo, veículos eléctricos (VE), produzidos com fortes subsídios estatais e que agora enfrentam dificuldades no mercado norte-americano, sejam massivamente reencaminhados para o espaço comunitário.
Esta perspectiva representa uma ameaça directa às indústrias portuguesas e europeias, nomeadamente em economias centrais como a Alemanha, França e Itália, que poderiam ver a sua competitividade minada por aquilo que muitos consideram ser práticas de dumping – venda abaixo do custo de produção ou do preço de mercado justo. A prolongada competição económica com a China assume agora contornos de potencial crise para a União Europeia (UE).
Defesa Europeia e Equilíbrio Delicado
Perante este cenário, a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, adoptou uma postura de firmeza calculada. Prometendo “envolver-se de forma construtiva” com Pequim, alertou simultaneamente para os “efeitos indirectos” das medidas americanas e assegurou que a UE monitorizará de perto os fluxos comerciais. “Não podemos absorver a sobre capacidade global nem aceitaremos dumping no nosso mercado”, declarou von der Leyen recentemente, sublinhando a criação de uma comissão específica para vigiar as importações.
Esta abordagem, que procura simultaneamente dialogar com a China e proteger o mercado interno, foi elogiada por alguns analistas. Janka Oertel, diretora do programa Ásia no Conselho Europeu de Relações Exteriores (ECFR), classificou-a como uma resposta “sóbria” à pressão chinesa, considerando essencial que a UE “se mantenha firme” para não perder o controlo da situação. A necessidade de uma Europa mais assertiva na defesa dos seus interesses económicos ecoa em vários quadrantes. “O desafio da sobre capacidade (…) finalmente chegou às capitais europeias”, corrobora Liana Fix, do Council on Foreign Relations, notando um “sentimento geral na Europa de que (…) o continente precisa de se defender”.
Tensões Internas e Divergências Estratégicas
Contudo, a coesão europeia é posta à prova neste momento crítico. Enquanto a Comissão Europeia procura uma linha comum, alguns Estados-membros, como Portugal, demonstram abordagens distintas. O primeiro-ministro espanhol, Pedro Sánchez, por exemplo, defendeu recentemente em Pequim um maior envolvimento com a China, perspectivando-o como forma de mitigar o impacto das tarifas americanas, numa clara dissonância com a exigência de garantias por parte de Bruxelas contra o dumping.
Recorde-se que, no passado, a Alemanha já se opusera a tarifas europeias mais elevadas sobre VE chineses, temendo retaliações sobre a sua poderosa indústria automóvel. Fora da UE, no Reino Unido, o primeiro-ministro Keir Starmer apela a relações “consistentes e respeitosas” com Pequim, num esforço para revitalizar a economia britânica. Estas nuances reflectem um debate interno profundo. “Espanha vê as coisas de forma muito diferente da Polónia”, exemplifica Theresa Fallon, diretora do Centro de Estudos sobre Rússia, Europa e Ásia (CREAS), em Bruxelas.
Realidade Comercial e Rivalidade Sistémica
A complexidade da relação UE-China assenta numa realidade comercial desequilibrada que perdura há décadas. Empresas europeias enfrentam barreiras significativas de acesso ao mercado chinês, devido a exigências regulatórias e ao forte apoio do Partido Comunista às empresas locais. Em 2023, o défice comercial da UE com a China atingiu quase 292 mil milhões de euros, um número que ilustra a dimensão do desequilíbrio.
Bruxelas classifica oficialmente a China como “um parceiro de cooperação, um concorrente económico e um rival sistémico”. As relações deterioraram-se nos últimos anos, com factores como o apoio chinês à Rússia na guerra contra a Ucrânia a adensarem as tensões. Diálogos recentes entre responsáveis europeus e chineses, como a visita do comissário europeu Maros Sefcovic a Pequim, evidenciaram estas fricções. Um comunicado da Comissão após a visita referiu que as relações comerciais “continuam desequilibradas”, apontando para um défice crescente “alimentado por subsídios ilegais”.
Contra-ofensiva Diplomática Chinesa
Do lado chinês, a resposta às preocupações europeias e às tarifas americanas tem sido multifacetada. Pequim procura projectar uma imagem de parceria e cooperação, minimizando as tensões. Comunicados oficiais chineses após encontros bilaterais tendem a omitir as advertências europeias, focando-se em alegadas convergências e na “resistência conjunta ao unilateralismo e proteccionismo”. A diplomacia chinesa chegou a patrocinar artigos em publicações influentes em Bruxelas, como o Euractiv, sugerindo que, face às políticas de Washington, “a China parece cada vez mais um parceiro estratégico para a Europa”.