Brasil, Cabo Verde, Ucrânia, Angola e Reino Unido estão lixados — e não é de constipação tropical, é de patriotismo agudo, fase terminal. Dizem o Observatório da Emigração e a Pordata, já que o país decidiu apertar a peneira da nacionalidade: só entra quem já tenha uma conta bancária recheada, um mestrado em humildade e o dom de não ter sotaque. A nova lei, um monumento à inteligência reversa, promete transformar o país num condomínio fechado, com porteiro e xenofobia incluída no condomínio.
A selecção natural da estupidez
És ucraniano? Volta para a tua terra, que aquilo agora é que está a dar, dizem os novos nacionalistas do café da esquina, entre dois pastéis de nata e uma teoria da conspiração. Vieste de Inglaterra passar cá a reforma, tens uma vinha e pagas impostos? PÕE-TE A MILHAS, BIFE! — gritam, com o mesmo entusiasmo com que há cinquenta anos pediam vistos para Londres. A ironia é um animal que morde o próprio rabo, mas em Portugal já o comemos grelhado e chamamos “autenticidade”.
As línguas que se torcem e as peles que incomodam
“Éis Brásileiru? Éis malandru”, dizem os patriotas de sofá, esses heróis de telejornal que confundem o Primeiro Comando da Capital com o grupo coral de Almada. Volta p’ra Goianas! Volta p’ra o Paraná! E Angola? Bem, tens aí caroço? Ok, ok. Isso, deixa lá. Tudo ok. O racismo português é tão educado que pede desculpa antes de discriminar: “Não é por mal, mas…” e pronto, o “mas” é sempre o prelúdio do disparate.
A pátria higiénica e o cheiro da diferença
O Presidente da República promulgou a lei que faz de Portugal um país selectivo. Um país onde só entram os que não precisam, e os que precisam ficam à porta, como mendigos bem vestidos. A estranja é o novo vírus, a bufaria o novo ministério, e a compaixão foi substituída por um formulário digital. Daqui a pouco estamos como o Luxemburgo, com 47 por cento de imigrantes — e, horror dos horrores, todos a trabalhar e a pagar impostos! Uns pulhas, esses portugueses lá fora, que ousam limpar as ruas dos outros quando podiam estar cá, deitados no sofá a criticar.
A esquizofrenia lusitana em 14 por cento
No Reino Unido já vão em 14 por cento de estrangeiros, muitos com pele escura, como aqueles reles vindos da Espanha e do Portugal, diz o noticiário dos moralistas. Sopeiras, empregados de mesa, criaturas sem o dom de mastigar de boca fechada. E nós, os de cá, mastigamos com elegância a nossa própria hipocrisia, sem engasgar, como bons católicos de ocasião.
A pátria portátil e o umbigo globalizado
Temos seis milhões de portugueses emigrados. Seis milhões. O que é que eu tenho a ver com isso, carago? — pergunta o cidadão de bem, esse animal de estimação da indiferença. Não foste tu que os mandaste embora, pois não? Foram eles, ingratos, que foram à procura de dignidade, essa coisa tão cara que por cá só se vende em segunda mão. Portugal é um país tão pequeno que expulsa gente para caber no espelho.
Conclusão absurda, mas verdadeira
E assim seguimos, felizes na nossa ilha continental, com a fronteira na pele e a bandeira no fígado. Criámos a fórmula da “pureza democrática”: expulsamos quem nos lembra o que fomos. No fundo, somos o Luxemburgo do atraso — 100% autóctones, 0% inteligentes. Quando um dia formos todos embora, talvez finalmente este país seja só de portugueses — vazios, mas muito orgulhosos.