A recente decisão da Rússia de suspender o fornecimento de gás natural através dos gasodutos que passam pela Ucrânia começa a provocar um aumento nos preços em vários países europeus. Apesar de Portugal ainda não estar diretamente afetado por esta situação, especialistas alertam para os potenciais impactos que os consumidores portugueses poderão enfrentar no futuro
Instabilidade no Abastecimento
Portugal, atualmente, depende de regiões consideradas politicamente instáveis para o fornecimento de gás natural, como destaca José Filipe Pinto, especialista em relações internacionais, em entrevista à revista Sábado. “As nossas fontes principais são o Magrebe – que inclui Marrocos, Argélia e Tunísia – e a Nigéria. Essas são zonas de grande instabilidade política”, afirma. O especialista alerta ainda que, “repentinamente, pode acontecer algo semelhante ao que se passou na Síria”, referindo-se aos conflitos que devastaram a região e prejudicaram os fluxos comerciais.
Possíveis Consequências para Portugal
Caso ocorram problemas nas regiões de origem, Portugal poderá enfrentar dificuldades de abastecimento. “Se os piores cenários acontecerem, Portugal não vai ter reservas estratégicas”, adverte José Filipe Pinto. Nessa situação, o país teria de recorrer a fornecedores alternativos como os EUA, Noruega ou Qatar, opções significativamente mais caras. “O problema é que estes países vendem gás mais caro do que o gás natural russo”, ressalta o especialista, acrescentando que, “mais tarde ou mais cedo, este cenário vai repercutir-se nos bolsos dos consumidores”.
Para Paulo Batista Ramos, professor da Universidade do Minho e também especialista em relações internacionais, o impacto ainda não é imediato. “Em princípio, Portugal ainda não será afetado”, explica. Contudo, ele alerta que, “num segundo momento, isso pode vir a acontecer”.
Um Papel Estratégico para Portugal?
A crise energética atual também reacendeu os debates sobre a necessidade de investir em infraestrutura de transporte de energia na Península Ibérica. “A Península Ibérica, incluindo Portugal, podia ter um papel especialmente estratégico para abastecer toda a Europa”, afirma Paulo Batista Ramos. No entanto, o professor reconhece os obstáculos políticos e económicos envolvidos. “O problema é convencer os franceses”, sublinha. “Os alemães estão mais convencidos, mas os franceses é que querem vender a energia deles”, acrescenta.
Benefícios para os EUA
Outro ponto relevante na crise do gás é o papel dos Estados Unidos. Segundo José Filipe Pinto, “o grande beneficiado” com a suspensão do gás russo à Europa são os EUA. “Graças a este corte, Donald Trump vai passar a receber uma verba extra dos países da União Europeia com a qual não contava”, observa o especialista. Ele sugere que isso pode abrir espaço para negociações futuras. “Trump tem aqui um ativo que pode servir de moeda de troca para que Putin obtenha concessões territoriais, como a Crimeia e o Donbass”, conclui.
O Futuro Energético de Portugal
Diante deste cenário complexo, especialistas destacam a importância de Portugal investir em alternativas sustentáveis e independentes de energia. “Este é um momento crucial para repensarmos a nossa estratégia energética”, afirma Paulo Batista Ramos. Com a Europa a enfrentar desafios crescentes no setor energético, a capacidade de Portugal em adaptar-se às mudanças será decisiva para proteger os consumidores e garantir a segurança energética do país.