Um aviso do Ministério da Saúde da Índia, de 21 de Junho, sobre o teor de gordura e de açúcar em snacks populares, incluindo a “nossa” chamuça, provocou reacções e redes sociais em alvoroço, enquanto dados recentes associam hábitos alimentares fora de casa ao aumento de doenças metabólicas.
Origem e trajectória da chamuça
A chamuça (samosa) tem raízes antigas na Ásia Central e Península Indostânica; difundiu-se durante séculos pelo subcontinente como petisco de rua e alimento de conforto, hipertrofiando a sua importância cultural. Em Portugal, a presença da chamuça é antiga, chegando nos éc. XVII e, depois, via Moçambique, no s~ex. XX. Intensificou-se nas últimas décadas com as comunidades sul-asiáticas e com a globalização culinária: passou de iguaria exótica a produto corrente em mercados, feiras e restaurantes de gastronomia internacional. Está na alimentação portuguesa e já é produto de supermercado comum, sendo vendida fresca ou congelada.
O aviso oficial e o seu conteúdo
A 21 de Junho, o Ministério da Saúde indiano enviou um ofício recomendando a afixação de cartazes em espaços públicos com informação sobre os níveis de “óleo e açúcar” de diversos alimentos, inserindo a chamuça na lista de fritos de alto teor de gordura. O Governo clarificou posteriormente que se tratava de um “estímulo comportamental” e não de uma proibição ou de imposição de rótulos obrigatórios nos vendedores de rua.
Os cartazes-modelo referem que a ingestão diária recomendada de gordura situa-se entre vinte e sete e trinta gramas e que uma única chamuça pode conter entre dezassete e vinte e oito gramas de gordura, variando conforme tamanho e preparação. Essas quantificações têm sido utilizadas pelos meios para explicar a razão da inclusão da chamuça na lista.
Dados sobre obesidade e diabetes: Índia
A Índia enfrenta um pesado encargo de doenças não transmissíveis relacionadas com estilo de vida. Estimativas recentes indicam dezenas de milhões de pessoas com diabetes — cerca de setenta e sete milhões em 2019, com projecções de crescimento — e um acréscimo consistente de prevalência de sobrepeso e obesidade em diversas regiões do país. Esses números justificam políticas públicas orientadas para a redução de factores de risco alimentares.
Dados sobre obesidade e diabetes: Portugal
Portugal também regista um aumento da diabetes diagnosticada e de prevalência de excesso de peso/obesidade em segmentos populacionais. Relatórios nacionais de 2023 e 2024 indicaram recordes no número de novos diagnósticos de diabetes, com coberturas de vigilância e gestão crescentes nos cuidados primários. As autoridades de saúde portuguesas continuam a perseguir políticas de alimentação saudável e transformação do ambiente alimentar.
Comida de rua, batatas fritas e risco metabólico
A evidência científica não liga uma iguaria específica exclusivamente a doenças crónicas; antes, aponta padrões: comer frequentemente fora de casa e consumir alimentos fritos, ultraprocessados ou ricos em açúcar associa-se a maior ingestão calórica, maior teor de gordura e risco aumentado de excesso de peso e doenças metabólicas. Estudos e revisões internacionais mostram que o consumo regular de batatas fritas — e, de modo geral, de fritos — eleva o risco relativo de desenvolver diabetes tipo dois. Em Portugal, investigações sobre consumo de comida de rua indicam hábitos variados, com alguns estudos locais a registar consumo ocasional de produtos fritos e de fast-food; há monitorização activa dos teores de açúcar, sal e gordura por entidades de saúde.
Interpretação e limites das provas
É importante distinguir entre associação e causalidade. Dados populacionais e ensaios observacionais comprovam relações entre padrões alimentares (frequente consumo de fritos/ultraprocessados) e maior risco de obesidade/diabetes, mas a contribuição exacta de um único alimento, como a chamuça, depende de frequência, porção, modo de preparação e do padrão dietético global do indivíduo. As medições de gordura numa chamuça variam muito; por isso a mensagem das autoridades focou-se em consciencializar sobre “gorduras e açúcares ocultos” e não em banir alimentos culturais.
A controvérsia em torno da chamuça descoberta nos cartazes governamentais expõe um conflito típico: identidade cultural contra prevenção em saúde pública. As estatísticas nacionais e a literatura científica sustentam a necessidade de políticas que reduzam riscos alimentares — mas o sucesso dessas políticas exige comunicação sensível à cultura alimentar e medidas baseadas em evidência, não em estigmatização. Em Portugal, as autoridades continuam a monitorizar diabetes e obesidade e a promover medidas que actuem sobre o ambiente alimentar; na Índia, o debate segue vivo entre sensibilização, liberdade gastronómica e eficácia das intervenções.