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Foto: Fernando Jesus Pires - Diretor do Jornal ORegiões (Créditos da Foto: António Duarte Mil-Homens)
Sitting de Posse – ou quando o inglês entrou na câmara pela porta do fundo
Recebi na redação do jornal ORegiões um convite para a cerimónia de tomada de posse dos novos órgãos do Município de Castelo Branco. Até aqui, tudo dentro do esperado. O habitual email cordial, com assinatura formal e anexo em PDF, porque nenhum convite oficial estaria completo sem um ficheiro que o Word não consegue abrir à primeira
Foto: D.R.
Mas o espanto — ou melhor, o estupefacto — abateu-se sobre mim quando me deparei com a seguinte pérola diplomática:
“Agradecemos a confirmação da presença de V. Exa., por motivos de organização do sitting, até ao dia 28 de outubro.”
Organização do quê?
Do sitting?
Confesso que por momentos hesitei: estaria a câmara municipal a referir-se à prática iogue de sentar-se em meditação cívica? Ou tratar-se-ia de uma sessão especial de degustação de queijos, substituídos agora por cheese em folha A4?
Não. Afinal tratava-se da simples e velha disposição de cadeiras. Em bom português: o mapa de lugares. Mas isso, aparentemente, já não basta. Em tempos de globalização linguística e marketing institucional, o português de Camões perdeu para o inglês de Wall Street.
E eu, pobre jornalista de província, fui atirado para o centro desta tragicomédia lexical. Porque ninguém me avisou que a Câmara tinha aderido ao corporate lingo. Imagine-se só quando começarem a marcar reuniões de brainstorming para a próxima feira da sopa ou a promover networking moments nos almoços comunitários da junta.
Há algo de profundamente irónico em ver uma cerimónia de tomada de posse — esse momento carregado de simbolismo democrático e identidade local — ser anunciada com um estrangeirismo gratuito que nem no Google Translate se recomendaria. É como servir arroz de pato com ketchup: a travessia entre o ofensivo e o risível é curta, mas dá sempre azo a indigestão.
Mais do que uma questão de gosto (ou falta dele), isto revela um certo complexo de inferioridade linguística. Como se o português não tivesse estofo suficiente para albergar uma cerimónia digna. Como se dizer “organização de lugares sentados” fosse uma afronta aos pergaminhos da modernidade. Afinal, se Lisboa já tem startups, porque é que Castelo Branco não há-de ter sittings?
O próximo passo é fácil de adivinhar: um rebranding completo. A Câmara passará a designar-se City Hall, os vereadores serão board members, e o executivo municipal funcionará em coworking mode. Haverá coffeebreaks nas assembleias e as atas serão substituídas por minutes.
E nós, contribuintes, passaremos a ser os sponsors da palhaçada.
Enquanto isso, aguardo serenamente pela cerimónia. Já escolhi o meu traje: fato escuro, gravata discreta e um pequeno dicionário inglês-português no bolso, não vá ser necessário improvisar um speech.
Para a próxima, peço apenas que nos avisem se o dress code for smart casual e se a senha do Wi-Fi vem incluída com o boletim de voto.
Crónica Satírica
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Jornalista há 35 anos, trabalhou como enviado especial em Macau, República Popular da China, Tailândia, Taiwan, Hong Kong, Coréia do Sul e Paralelo 38, Espanha, Andorra, França, Marrocos, Argélia, Sahara e Mauritânia.