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SNS: falta médica de família agrava-se na Beira Baixa e Alentejo

Milhares de utentes nos distritos de Castelo Branco, Portalegre e Guarda convivem com ausência de médico de família, tempos de espera prolongados e fragilidade no acesso aos cuidados primários, denuncia investigação recente.

No interior alentejano, serrano e beirão, a carência de médicos de família tornou-se crónica, afectando sobretudo populações envelhecidas e dispersas. A situação agrava-se nos concelhos mais remotos destes distritos, onde o tecido demográfico e a procura crescente de cuidados de saúde tornam a ausência de clínicos uma crise de saúde pública.

Realidade nos concelhos mais afectados

Em muitos centros de saúde rurais já não existe médico de família em permanência. Fontes autárquicas, sindicatos e a Ordem dos Médicos confirmam que diversos utentes permanecem sem médico atribuído, dependendo de deslocações a outros concelhos ou da utilização de médicos contratados em regime temporário. A Ordem dos Médicos alerta que a Medicina Geral e Familiar em Portugal atingiu um ponto crítico, com utentes sem médico e especialistas recém-formados sem colocação.

Em Idanha-a-Nova, Maria da Conceição, reformada de setenta e oito anos, conta que há meses não consegue marcar uma consulta de rotina. «Vou à unidade de saúde e dizem-me que não há médico. Mandam-me para Castelo Branco, mas eu já não conduzo. Como é que vou? Tenho de pedir ao meu filho, que trabalha em Lisboa. É uma humilhação», desabafa.

No concelho de Nisa, Joaquim Ferreira, agricultor reformado de oitenta e três anos, enfrenta idêntica dificuldade. «Se tiver uma dor mais forte, vou ao hospital de Portalegre. Mas lá fico horas e horas nas urgências. Só queria um médico aqui na vila, para me seguir como antigamente. Agora é uma roleta, às vezes vem um doutor contratado por poucos dias, outras vezes não vem ninguém.»

Autarquias recorrem a incentivos mas solução é limitada

Autarquias da região têm lançado incentivos para atrair clínicos, como apoio à habitação, compensações para deslocações e subsídios camarários, mas reconhecem que se tratam de medidas paliativas e insuficientes para resolver o défice estrutural.

O presidente da Câmara de Vila Velha de Ródão, Luís Pereira, admite que «nenhuma autarquia tem meios para resolver um problema que é nacional». Explica que o município oferece casa e isenção de rendas a médicos que aceitem trabalhar no concelho, mas reconhece que «a dificuldade está em fixar profissionais jovens que procuram qualidade de vida urbana, escolas para os filhos e emprego para os cônjuges».

Em Gouveia, no distrito da Guarda, a autarca Luís Tadeu sublinha a frustração: «É desesperante quando vemos médicos formados, prontos a trabalhar, mas sem colocação, enquanto aqui a população continua sem acompanhamento médico regular.»

Tempos de espera e consequências no acesso

A falta de médicos afecta directamente os tempos de espera para consultas nos centros de saúde, obrigando muitos utentes a aguardar semanas ou meses. Em casos urgentes, há quem recorra a hospitais de referência, aumentando pressões nas urgências hospitalares. Em nota recente, a ministra da Saúde admitiu que a inexistência de médico de família é «um dos grandes gargalos» do Serviço Nacional de Saúde, que precisa de ser resolvido com urgência.

No Fundão, Rosa Fernandes, de sessenta e cinco anos, com diabetes há mais de duas décadas, lamenta que a ausência de médico de família a obrigue a recorrer a consultas privadas: «Pago cinquenta euros cada vez que vou a um consultório, porque não posso esperar três meses por uma receita de insulina. Mas nem todos podem pagar. Sinto que o interior está a ser esquecido.»

Raízes do problema e obstáculos à fixação

Vários factores explicam a crise. Existe um descompasso entre a oferta de vagas no Serviço Nacional de Saúde e as zonas carenciadas, o que deixa médicos de Medicina Geral e Familiar sem colocação em áreas onde há falta. As condições de trabalho são insuficientes, os rendimentos baixos e o excesso de horas extraordinárias frequente. Junta-se a dificuldade de fixação em locais isolados, com fracos incentivos sociais e infraestruturas limitadas. A falta de coordenação central e de uma estratégia nacional clara de redistribuição de médicos agrava o cenário.

O Sindicato Independente dos Médicos sublinha ainda que «as condições de trabalho em centros de saúde do interior são muitas vezes indignas, com falta de equipamentos básicos e sistemas informáticos obsoletos, o que afasta profissionais qualificados».

Exigências e caminhos para resposta

A Ordem dos Médicos exige a abertura de concursos destinados especificamente às zonas carenciadas e a criação de uma política nacional para a atracção e retenção de clínicos no interior. Para especialistas e responsáveis locais, os incentivos financeiros têm de ser acompanhados por melhorias nas condições de vida e trabalho, nomeadamente em mobilidade, equipamentos médicos, ligação electrónica e oportunidades de emprego para os cônjuges.

Sem uma resposta coordenada entre Estado e autarquias, a crise nos cuidados primários no interior pode deteriorar-se ainda mais, alimentando desigualdades no acesso à saúde e colocando em risco populações em zonas já desfavorecidas.

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