O Supremo Tribunal de Justiça (STJ) emitiu uma decisão histórica que ordena a revisão do acórdão da Relação do Porto que condenou o economista Pedro Arroja por difamação do ministro Paulo Rangel, em uma controvérsia jurídica que remonta a 2015. A ordem do STJ surge após a intervenção do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH), que considerou a condenação portuguesa uma violação da liberdade de expressão de Arroja.
Na passada quarta-feira, o Supremo Tribunal, composto pelos conselheiros Antero Luís, Horácio Correia Pinto, António Augusto Manso e Nuno Gonçalves, proferiu o acórdão que determina a revisão do julgamento do Tribunal da Relação do Porto (TRP). A decisão orienta o tribunal de segunda instância a reavaliar o caso, tendo em consideração as orientações do TEDH, que, há um ano, determinou que o Estado português pagasse 10.000 euros a Pedro Arroja pela violação do seu direito à liberdade de expressão.
Este processo remonta a 25 de maio de 2015, quando Pedro Arroja fez comentários no programa Porto Canal sobre um projeto jurídico relacionado à construção de uma nova ala pediátrica no Hospital de São João, no Porto. O economista acusou Paulo Rangel, na altura associado à sociedade de advogados Cuatrecasas, de ter influência na paralisação da obra, apontando o que considerou ser uma “promiscuidade entre política e negócios”. Segundo Arroja, Rangel, ao estar envolvido em ambas as esferas, poderia estar a angariar clientes para a sua sociedade, incluindo entidades públicas como hospitais e câmaras municipais.
Após a condenação de Arroja em 2018, o Tribunal de Matosinhos inicialmente o considerou culpado de ofender a sociedade de advogados Cuatrecasas, mas ilibou-o da acusação de difamação agravada contra Rangel. No entanto, em 2019, a Relação do Porto agravou a pena, condenando-o a uma multa de 7.000 euros, incluindo uma indemnização de 10.000 euros a Paulo Rangel e 5.000 euros à sociedade de advogados.
O TEDH considerou, em sua decisão, que o direito à liberdade de expressão de Pedro Arroja foi indevidamente restringido em nome da defesa da honra e reputação de Paulo Rangel e da sociedade de advogados. O tribunal europeu sublinhou que o peso atribuído aos direitos da reputação não deve suprimir o direito à liberdade de expressão, protegido pelo artigo 10.º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos. Em consonância com esta avaliação, o STJ determinou a revisão do acórdão da Relação do Porto, uma vez que a condenação representava uma violação dos direitos de personalidade de Arroja e do princípio do Estado de Direito.
O Supremo Tribunal também lembrou que, em processos semelhantes, tem vindo a admitir pedidos de revisão de acórdãos, alinhando-se com as recomendações do Comité de Ministros do Conselho da Europa, que defende a revisão de decisões quando se verifica a violação do artigo 10.º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos.
Este caso tem gerado grande interesse jurídico e político, sendo um marco na defesa da liberdade de expressão no contexto judicial português. A revisão do acórdão pode ter implicações importantes para a proteção dos direitos dos cidadãos em face de ações judiciais que envolvem figuras públicas e a liberdade de crítica.