O Presidente da República mostrou cedo a sua discordância em relação à Lei dos Estrangeiros, aprovada em tempo recorde no Parlamento, a 16 de julho. Mas antes mesmo de tomar qualquer decisão sobre o diploma, Marcelo Rebelo de Sousa enviou vários artigos para o Tribunal Constitucional (TC) para uma fiscalização preventiva. A maioria diz respeito ao reagrupamento familiar. Do lote, poucos passaram o crivo da constitucionalidade. Todas as principais mudanças chumbaram.
O Tribunal Constitucional (TC) declarou inconstitucionais cinco normas do diploma da lei de estrangeiros que o Presidente da República decidiu enviar para o Palácio Ratton. As conclusões do acórdão foram lidas pela juíza conselheira Joana Fernandes Costa, que foi a relatora desta deliberação, concluído o plenário dos juízes do TC. Minutos depois, o Presidente da República anunciou, no portal da Presidência, o veto às alterações à legislação e, por isso, a devolução do diploma à Assembleia da República.
A decisão foi fracturante no plenário do Tribunal Constitucional, mas a maioria dos juízes conselheiros declarou inconstitucionais normas relativas à nova redacção sobre o reagrupamento familiar, bem como a restrição aos recursos na justiça.
Por outro lado, os conselheiros entenderam que a “diferenciação positiva” para reagrupamento familiar de cidadãos com visto gold ou detentores de autorizações de residência obtidas ao abrigo de actividade de docência, altamente qualificada ou cultural, ou beneficiários do cartão azul UE [União Europeia], “não se afigura desproporcionada, nem discriminatória”.
Em causa estavam quatro normas constantes do Decreto n.º 6/XVII da Assembleia da República, que altera a Lei n.º 23/2007, e apenas uma escapou ‘ao chumbo’ do TC.
Quanto ao “novo n.º 1 do artigo 98.º, ao não incluir o cônjuge ou equiparado, pode impor a desagregação da família nuclear do cidadão estrangeiro titular de autorização de residência válida e é, por isso, suscetível de conduzir à separação dos membros da família constituída desse cidadão estrangeiro, que resida validamente em Portugal há menos de dois anos, o que se traduz numa violação dos direitos consagrados nos n.ºs 1 e 6 do artigo 36.º da Constituição”.
No mesmo sentido, sobre o novo “n.º 3 do artigo 98.º”, considerou o coletivo de juízes do TC que “a imposição de um prazo absoluto de dois anos até à apresentação do pedido de reagrupamento familiar com todos os membros da família maiores de idade que se encontrem fora do território nacional é incompatível com a proteção constitucionalmente devida à família, em particular à convivência dos cônjuges ou equiparados entre si e à de qualquer deles com os respetivos filhos menores de idade”.
“Com respeito às condições de exercício do direito ao reagrupamento familiar, o Tribunal entende que os pressupostos previstos nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 101.º não são inconstitucionais, mas a previsão de medidas de integração constante do n.º 3 do artigo 101.º viola o princípio da reserva de lei (alínea b) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição).
Já quanto “às normas relativas ao prazo de decisão do pedido de reagrupamento familiar, o Tribunal considera que o n.º 1 do artigo 105.º, ao somar um prazo de decisão de nove meses, prorrogável até dezoito meses, ao período de dois anos de espera previsto no n.º 3 do artigo 98.º, não é compatível com os deveres de proteção da família a que o Estado se encontra vinculado” na Constituição.
“Em matéria de tutela jurisdicional – recurso à ação especial de intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias – o Tribunal entende que a norma do n.º 2 do artigo 87.º-B é inconstitucional, por violação dos artigos 20.º, n.º 1, 18.º, n.º 2, e 268.º, n.º 4, da Constituição, ao passo que o n.º 3 do artigo 87.º-B não enferma de inconstitucionalidade”.
Porém, salienta o acórdão, “a diferenciação positiva dos titulares de autorizações de residência concedidas ao abrigo dos artigos 90.º, 90.º-A e 121.º A não se afigura desproporcionada, nem discriminatória”.
O diploma será agora devolvido ao Parlamento para que sejam expurgadas as normas que violam a lei fundamental.
PSD, Chega e CDS votaram a favor
Recorde-se que o decreto foi aprovado em 16 de julho na Assembleia da República, com os votos favoráveis de PSD, Chega e CDS-PP, abstenção da IL e votos contra de PS, Livre, PCP, BE, PAN e JPP.
O diploma foi criticado por quase todos os partidos, com exceção de PSD, Chega e CDS-PP, com vários a considerarem-no inconstitucional e a criticarem a forma como o processo legislativo decorreu, sem ouvir associações de imigrantes ou constitucionalistas e com a ausência de pareces obrigatórios.
Com o chumbo do Tribunal Constitucional (TC) e o veto do chefe de Estado, a Lei dos Estrangeiros tem que voltar ao Parlamento, mas pode ser reconfirmada apenas com os votos a favor do PSD e do Chega. A Iniciativa Liberal (IL) não quer, contudo, deixar os sociais-democratas reféns do partido de André Ventura e mostra-se disponível para melhorar a proposta do Governo.
A garantia dada por Mariana Leitão surge depois de o secretário-geral do PS, José Luís Carneiro, ter manifestado também a disponibilidade do partido para “contribuir para uma solução” que assegure “responsabilidade” e “humanidade” na nova Lei dos Estrangeiros. “Esta é uma derrota jurídica da coligação entre a AD e o Chega”, segundo o líder socialista.
Numa carta enviada a Carlos Abreu Amorim, ministro dos Assuntos Parlamentares, a presidente dos liberais propõe-se dialogar com o executivo para conseguir “uma solução urgente e rigorosa” da lei que, com o “chumbo” do TC e o veto do Presidente da República, não entra em vigor e tem que voltar a ser discutida e votada no parlamento.
E disponibiliza-se para, em resultado de uma “solução negociada, participar numa eventual maioria de 2/3 para a aprovação do diploma, caso a proposta alterada volte a levantar reservas politicamente motivadas por parte do Tribunal Constitucional”.
A garantia dada por Mariana Leitão surge depois de a líder liberal ter tecido duras críticas ao processo, acusando o Executivo de com “pressa” ter procurado alterar o regime, “ignorando os trâmites constitucionais” e “legais”, sem “ouvir”, “sem ponderar” e desvalorizando “todos os alertas” e colocando em causa a “segurança jurídica” e a “confiança dos cidadãos” no Estado de Direito.
Em linha com o TC, Mariana Leitão sublinhou ainda que o reagrupamento familiar é um “instrumento jurídico na política de imigração que deve ser regulado com base em critérios de legalidade, proporcionalidade e respeito pela dignidade humana”.
Recorde-se que os liberais tinham votado a favor das alterações à Lei dos Estrangeiros na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, mas mudaram de posição e abstiveram-se no passado dia 16 em votação final global.
No requerimento enviado por Marcelo Rebelo de Sousa ao TC, o Presidente da República pediu a fiscalização preventiva da constitucionalidade das normas sobre direito ao reagrupamento familiar e condições para o seu exercício, sobre o prazo para apreciação de pedidos pela Agência para a Integração Migrações e Asilo (AIMA) e o direito de recurso.