Mais de sessenta e sete milhões de pessoas na Ucrânia padecem de problemas de saúde mental, resultado directo da guerra, segundo um recente relatório da Organização das Nações Unidas (ONU). A Organização Mundial de Saúde (OMS) estima que perto de um terço da população precise de apoio psicológico e, nalguns casos, tratamento psiquiátrico. A comunidade internacional reforça os apelos para apoio imediato, destacando os riscos a longo prazo.
Impacto Psicológico Alastra-se no País em Guerra
A dimensão da crise psicológica e psiquiátrica no país é sem precedentes. O número de sessenta e sete milhões de pessoas atingidas engloba tanto os deslocados internos como os refugiados em países vizinhos, mas também uma vasta franja da população que permanece sob o terror constante dos ataques aéreos e da incerteza do conflito.
Os estudos mais recentes das agências da ONU, como o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e a Organização Internacional para as Migrações (OIM), indicam que a guerra desencadeou uma vaga de ansiedade generalizada, depressão profunda e Transtorno de Stress Pós-Traumático (TSPT). Em particular, as crianças e os adolescentes, que não conhecem vida sem conflito, enfrentam um risco muito maior de distúrbios psicológicos com consequências intergeracionais.
O porta-voz da Unicef na Ucrânia, Toby Fricker, sublinhou à Lusa a gravidade da situação. «Quando as crianças são expostas a um stress extremo, pelas perdas ou por irem para
caves todos os dias quando as sirenes de ataque aéreo disparam, enfrentam um risco muito maior de distúrbios psicológicos e de pior saúde física ao longo da vida», alertou Fricker.
Causas do Sofrimento e Deterioração dos Serviços
As causas para a deterioração da saúde mental da população ucraniana são múltiplas e directamente ligadas à invasão russa em larga escala. A perda de entes queridos e o constante bombardeamento de infraestruturas civis, incluindo habitações e hospitais, geram um clima de medo e incerteza permanentes. Além disso, a destruição de comunidades e a disrupção das rotinas agravam o isolamento social, particularmente entre os idosos e as pessoas com doenças crónicas.
A Médicos do Mundo (MdM) alertou num dos seus relatórios para a crise de saúde sem precedentes, notando que «mais de metade da população ucraniana viveu um acontecimento potencialmente traumático e necessita de apoio psicológico de intensidade variável». A organização humanitária destaca ainda que o sistema de saúde, já sob forte pressão, não consegue lidar com a procura crescente, devido a ataques a instalações e à escassez de medicamentos.
O coordenador de saúde mental da MdM, Panagiotis Chondros, afirmou que «há um sentimento permanente de incerteza que é extremamente stressante». Esta realidade leva a sintomas psicossomáticos graves, ataques de pânico e depressão.
Resposta Humanitária e Medidas em Curso
A comunidade internacional, sob a égide da ONU, tem procurado implementar medidas de apoio, ainda que o volume das necessidades ultrapasse largamente os recursos disponíveis. A Comissão Europeia, por exemplo, mobilizou 31,2 milhões de euros do Programa União Europeia pela Saúde para auxiliar as pessoas deslocadas da Ucrânia com cuidados pós-traumáticos e apoio em saúde mental.
As agências da ONU, como a OIM e a Unicef, estão a trabalhar no terreno através de equipas móveis que garantem o acesso a cuidados de saúde primários e apoio psicossocial, individual e em grupo, presencialmente e online. O Fundo da ONU para as Crianças reportou ter alcançado perto de 159 mil crianças e respectivos cuidadores com aconselhamento psicológico. Contudo, a Organização Mundial de Saúde estima que 500 mil refugiados necessitem de apoio na Polónia, o que evidencia a dimensão do problema.
A OIM sublinhou que a sua prioridade inclui «rastrear e avaliar potenciais vulnerabilidades de curto e longo prazo, incluindo tráfico de pessoas, protecção infantil, saúde e saúde mental». Os especialistas insistem na necessidade de intervenção precoce, a fim de mitigar as sequelas a longo prazo desta crise.
Os desafios humanitários agravaram-se com a deterioração da situação nas áreas da linha da frente e com o congelamento de fundos internacionais. Segundo Matthias Schmale, coordenador de ajuda da ONU na Ucrânia, mais de 12,7 milhões de ucranianos precisarão de ajuda humanitária em 2025, o que corresponde a 36 por cento da população. A falta de recursos essenciais, como água, electricidade e gás, em muitas das zonas afectadas, é um factor de stress adicional que a ONU tenta minorar com o fornecimento de ajuda imediata e a defesa de soluções duradouras para os deslocados.