O coração é isso! É o coração, e pronto, ponto! É “onde eu sou tudo quanto sou”, dizia Santo Agostinho. Do coração brota o amor ou o ódio, as vilanias ou o bem-fazer. Ter um bom coração é ser uma pessoa de bem e de paz. Ser rancoroso de coração é ser fraca rés. No coração, os sentimentos, as atitudes, o amor e o pensamento formam uma só coisa, a pessoa.
Como escreveu Pedro Arrupe, “Coração” é um conceito complexo (…) expressa a totalidade do homem (…) é símbolo eloquente para expressar o centro mais original da unidade psicológica da pessoa, centro íntimo de cada ser em que se realiza essencialmente a abertura para Deus e para os demais homens (…). É o Eu do homem, o seu interior, a sua personalidade oculta, que se contrapõe ao seu exterior. É no coração que se encontra o lugar em que Deus se insere no homem, em que se grava a lei, em que se infunde o Espírito e habita a Trindade” (cf. Homilia, em Roma, 1979).
O coração precisa de cuidados. Não só médicos, também de outros cuidados. Se a sístole e a diástole representam duas importantes fases do círculo cardíaco sem as quais não há vida, assim também um coração ‘vivinho da silva’ precisa de valores mentais, morais e emocionais que irriguem as atitudes, os pensamentos e os comportamentos nas mais diversas situações da vida. O colesterol espiritual tem efeitos de erva daninha neste processo profilático. Sendo verdade que a nossa natureza cresce e atinge a sua maturidade através de fora, através de processos de aprendizagem, também é verdade que a pessoa só atinge a sua plenitude e perfeição a partir de dentro, quando sair de si própria, se relacionar com os outros e se colocar no lugar deles, servindo-os, pois “há maior alegria em dar do que em receber” (At 20,35), e “Deus ama aquele que dá com alegria” (2 Cor 9,7).
É foleira a educação que não passa pelo coração. A palavra educar vem do latim ‘educare’ (ex=fora, ducere=conduzir, levar, liderar). Educar é ajudar a tirar o outro para fora de si mesmo. Não como quem tira trapos e farrapos lá de dentro, mas como quem orienta a pessoa para viver em sociedade, “como uma flor que desabrocha ou uma borboleta que sai voando”. É conduzir o outro a sair de si próprio, aprendendo “a olhar para as estrelas, a escutar os grilos, a ouvir o outro” (Nayana Viana). Sabemos quanto os heróis influenciam na construção de valores e na tomada de atitudes. Mas haverá, porventura, algum herói ou super-herói com um coração tão nobre e influente como o Coração de Jesus em todas as suas facetas? Só Ele “revela plenamente o homem ao próprio homem, reencontrando a grandeza, a dignidade e o valor próprios da sua humanidade” (cf. RH10).
O Coração de Jesus é o Coração do Homem-Deus, o Coração que ama, o Coração que chama, o Coração que convida, o Coração que gosta de viver e se faz companheiro de viagem, o Coração bom e rico em misericórdia, o Coração que não faz acessão de pessoas, o Coração que desceu até nós, se fez próximo e humilde, criança e pobre, paciente e servo de todos, se fez vítima e morreu, venceu a morte e nos deu a vida: “Ele amou-me e entregou-se por mim”, afirma São Paulo (Gal 2,20). De facto, no centro das preocupações e da missão de Cristo está o homem, o homem de todas as nações, línguas e culturas. “Assim como o Pai me enviou, também eu vos envio a vós” (Jo 20,21): “Ide…ensinai todas as nações e batizai-as em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, … E sabei que Eu estarei sempre convosco até ao fim dos tempos” (Mt 28, 19-20)”.
Se Deus Pai nos ama com amor eterno (cf. Jer 31,3) e tanto amou “o mundo que lhe entregou o seu Filho” (Jo 3,6), de igual forma nos ama o Filho e se entregou por nós: “Eu e o Pai somos um” (Jo 10,30), “Como o Pai Me amou, também Eu vos amei” (Jo 15,9), “Aprendei de Mim que sou manso e humilde de Coração” (Mt 11,29).
Com coração de homem, Jesus experimentou todas as alegrias, angústias e sofrimentos, entregando-se por nós, por amor, até ao fim (cf. GS22). Sendo “a luz que ilumina todo o homem que vem a este mundo” (Jo 1,9), Ele está “vivo e a interceder por nós” (Heb 7,25). É a “porta para o interior de Deus”, a porta para o interior de cada um de nós.
Mês de junho, mês do Sagrado Coração de Jesus: “Eu vim para lançar fogo sobre a terra; e como gostaria que ele já se tivesse ateado” (Lc 12, 49). Sabemos, porém, que “nem todo o fogo lança chamas, mas toda a chama supõe fogo, e tanto mais alto se eleva a chama, quanto mais aceso estiver o fogo”, afirmou Bento XV, em junho de 1919. Foram as chamas desse fogo, fogo bem acesso no coração de cada discípulo de Jesus a partir da presença real do Coração de Jesus na Eucaristia, quem, ao longo dos tempos, propagou e continua a propagar esse fogo no coração, no santuário interior de cada um, onde a liberdade e a inteligência se encontram com o amor de Deus.
E hoje, com que fogo é que nós testemunhamos e anunciamos esse amor de Deus pela humanidade? Mesmo que estejamos satisfeitos com o que fazemos, o Livro do Apocalipse interpela-nos: “Conheço as tuas obras: não és frio nem quente. Oxalá fosses frio ou quente (…). Porque dizes: ‘Sou rico, enriqueci e nada me falta’ – e não te dás conta de que és um infeliz, um miserável, um pobre, um cego, um nu … Olha que Eu estou à porta e bato: se alguém ouvir a minha voz e abrir a porta, Eu entrarei na sua casa e cearei com ele e ele comigo” (Ap 3, 15-17.20).
São João XXIII confessou: “A devoção ao Sagrado Coração acompanhou-me toda a vida… Ainda recém-nascido, minha mãe consagrou-me ao Sagrado Coração…. Quero que a minha devoção a Ele seja o termómetro de todo o meu progresso espiritual … Para triunfar no meu apostolado não quero conhecer outra escola de pedagogia senão a do Sagrado Coração de Jesus”. E Santa Jacinta Marto desejava ter o poder de colocar no coração de toda a gente este fogo que ardia no seu coração…