Jovens e adultos que utilizam simultaneamente televisores e dispositivos móveis registam maior dificuldade de concentração, alertam especialistas. O fenómeno, designado “efeito duplo ecrã”, potência a fragmentação cognitiva e preocupa educadores e psicólogos.
A prática de dividir a atenção entre um ecrã principal (televisão ou computador) e um dispositivo móvel (smartphone ou tablet) está a alterar padrões de concentração. Dados preliminares de um estudo da Universidade do Minho indicam que 68% dos inquiridos com idades entre 18 e 35 anos admitem consultar o telemóvel enquanto vêem séries ou filmes, comprometendo a retenção de conteúdos.
Neurologistas explicam que a alternância constante entre tarefas sobrecarrega o córtex pré-frontal, região cerebral responsável pelo foco. «A atenção dividida reduz em 40% a capacidade de processamento profundo», afirma Helena Vaz, investigadora em Neurociência Cognitiva. Em salas de aula, professores relatam aumento da dispersão: «Alunos tentam acompanhar aulas online enquanto trocam mensagens. O rendimento cai drasticamente», descreve Rui Costa, docente do Ensino Secundário.
Adaptação do Mercado Empresas como a Netflix e a Disney+ capitalizam o fenómeno. Ambas permitem a transmissão em até quatro ecrãs simultâneos, enquanto ferramentas como a extensão Teleparty incentivam sessões colectivas com chats integrados. A meta (antigo Facebook) explora realidade aumentada para experiências imersivas, embora especialistas alertem: «A interactividade não compensa a perda de profundidade analítica», sublinha o psicólogo Eduardo Marques.
Se, por um lado, o duplo ecrã (dual screen) estimula a presença em jogos e transmissões ao vivo, por outro, agrava riscos de dependência digital. A Organização Mundial da Saúde incluiu, em 2024, a «síndrome de atenção fragmentada» na lista de perturbações associadas ao uso tecnológico excessivo.
Efeitos Socioeconómicos e Respostas Institucionais
A massificação do “efeito duplo ecrã” começa a reflectir-se em indicadores económicos. Um relatório de 2023 da OCDE associa a perda de produtividade laboral à utilização paralela de dispositivos: trabalhadores que alternam entre computador e smartphone durante reuniões demoram 23% mais tempo a concluir tarefas. Em Portugal, um inquérito da DECO-Proteste revela que 71% dos profissionais até aos 40 anos reconhecem dificuldades em manter foco contínuo por mais de 20 minutos.
A indústria publicitária adapta-se à fragmentação atencional. Anúncios em second screen (ecrã secundário) aumentaram 47% na Europa em 2023, segundo a Zenith Media. Plataformas como o TikTok e o Instagram testam formatos sincronizados: um anúncio na TV desbloqueia conteúdo exclusivo no telemóvel. Críticos apontam riscos éticos: «É uma exploração deliberada da atenção dividida», acusa Marta Lopes, da Associação Portuguesa de Consumidores.
Escolas e empresas testam contra-estratégias. O Agrupamento de Escolas de Sintra implementou o programa Foco 30, limitando o uso de dispositivos secundários durante aulas digitais. Resultados preliminares indicam melhoria de 18% nas notas de Matemática. Na Alemanha, a Volkswagen criou «zonas de mono-tarefa» sem Wi-Fi em escritórios. Em paralelo, aplicações como Forest e Focus@Will, que bloqueiam distracções digitais, registaram aumento de 200 mil downloads em Portugal no último semestre.
Divergência Científica
Não há consenso sobre efeitos a longo prazo. Enquanto a Sociedade Portuguesa de Neurologia alerta para «uma geração com défice de pensamento crítico», o MIT Media Lab publicou em Abril um estudo sugerindo que heavy multitaskers desenvolvem maior flexibilidade cognitiva. «O cérebro adapta-se, mas pagamos um preço em profundidade de análise», pondera o investigador Marco Oliveira, da Universidade de Coimbra.
A Comissão Europeia debate directrizes para design digital responsável. Uma proposta em análise pretende obrigar plataformas com mais de 10 milhões de utilizadores a incluir ferramentas nativas de gestão de atenção até 2026. Em Portugal, o Bloco de Esquerda propôs em Maio a criação de um Observatório Nacional da Atenção Digital, ideia ainda sem consenso parlamentar.
Perspectivas Futuras
Antevê-se que a tendência exija novas estratégias educativas e laborais. «Precisamos de redefinir limites de uso e promover a mono-tarefa como competência-chave», defende a socióloga Inês Torres. Enquanto isso, o debate entre benefícios da interactividade e custos cognitivos permanece aberto.