A cobertura vacinal infantil mundial mantém‑se estacionada desde 2010, segundo análise da revista The Lancet, publicada em 24 de Junho de 2025. O desequilíbrio acentua vulnerabilidades em saúde pública, com ressurgimento de doenças evitáveis e cortes no financiamento internacional
No estudo da University of Washington e colaboradores, agora divulgado, aponta‑se que a vacinação infantil duplicou entre 1980 e 2023 mas que, desde 2010, progride pouco ou até recua, sobretudo após a pandemia da covid‑19.
A protecção contra o sarampo caiu em cem países entre 2010 e 2019, revertendo décadas de avanços, inclusive em nações de rendimento elevado, antes livres da doença.
Desde 2020, 15,6 milhões de crianças não receberam a vacina DTP (difteria‑tétano‑tosse convulsa) nem a do sarampo; 16 milhões ficaram sem vacina da pólio e nove milhões sem a da tuberculose, com o impacto mais severo na África subsariana.
Mais de metade das quinze vírgula sete milhões de crianças não vacinadas em 2023 concentram‑se em oito países: Nigéria, Índia, Congo, Etiópia, Somália, Sudão, Indonésia e Brasil.
A Organização Mundial da Saúde registou, até 18 de Abril de 2025, 2 318 casos de sarampo na região das Américas – onze vezes mais que em igual período de 2024 – incluindo três óbitos.
No Reino Unido e Estados Unidos verifica‑se uma queda nas taxas de vacinação, com surtos de sarampo e coqueluche; no Reino Unido registou‑se o maior número de casos de sarampo desde os anos 90, já com quase uma dúzia de bebés vítimas da coqueluche .
A hesitação vacinal, influenciada por desinformação, assume cada vez maior relevo. A deputada‑professora Helen Bedford, da University College London, advertiu para o aumento de pais que deixam de vacinar os filhos, por motivos diversos, incluindo falseamento da ciência.
O programa de vacinação da OMS, criado em 1974, vacinou mais de quatro mil milhões de crianças e preveniu cerca de cento e cinquenta e quatro milhões de mortes, tornando‑se, depois da água potável, a intervenção de saúde mais eficaz.
Na cimeira da Gavi em Bruxelas, o Reino Unido anunciou uma contribuição de mil duzentos e cinquenta milhões de libras para 2026‑2030, visando imunizar até quinhentos milhões de crianças.
Porém, trata‑se de um corte real de cerca de vinte e quatro por cento face aos mil seiscentos e cinquenta milhões angariados em 2021‑2025, o que mereceu críticas de cientistas e ONG. Estima‑se que esta redução possa causar quatrocentos mil mortes evitáveis até 2030.
A despesa dos EUA na Gavi foi interrompida em Junho de 2025 pelo secretário de Saúde americano, Robert F. Kennedy Jr., por alegados receios sobre segurança vacinal – acusações consideradas infundadas por especialistas internacionais.
Ainda assim, o montante global angariado na cimeira atingiu nove mil milhões de dólares, com o Reino Unido como principal contribuidor público dono de um bilionário, setecentos milhões de dólares e a Fundação Gates a comprometer mil e seiscentos milhões.
O director‑geral da OMS alertou que cortes orçamentais e a desinformação ameaçam anos de ganhos em saúde pública.
Sem retomar a confiança pública e reforçar os programas de vacinação, muitos objectivos sanitários traçados para 2030 ficarão fora do alcance, com potencial reactivação de epidemias evitáveis.