Há dias, quando saí de casa, munido de chapéu-de-chuva, ao escutar a chuva que caía sobre as árvores em Lisboa, produzindo sons familiares, induzido por uma decisão intuitiva, parei de andar, fechei suavemente os olhos e deixei-me estar, impávido e sereno, sem esboçar qualquer movimento.
Permanecendo naquela posição expectante, depressa constatei, com espanto, que havia sido levitado para os céus de Goa, depois de Angola, de Moçambique, da Alemanha, e de outros países, verificando que as belas notas sonoras produzidas por aquela água, caída dos céus, me levavam a inferir que o globo terrestre estava unido por uma encantadora melodia comum, produzida pela grande orquestra da natureza.
Essa e outras vozes da natureza, repletas de informações harmoniosas, associadas aos cânticos dos pássaros e dos insectos, transmitindo esclarecimentos preciosos aos seus semelhantes, revelam como o universo está conectado entre si por extensos elos de ligação, fazendo dele um todo equilibrado, interligado e benéfico a todos os seus intervenientes.
Os nossos movimentos, assim como os dos mais diversos animais, por mais insignificantes que possam parecer, o suave murmúrio dos ventos ao deslocar-se por entre as ervas ressequidas, o serpentear das águas das nascentes ao movimentarem-se por entre as pedrinhas que lhes barram o caminho, as ondas do mar a beijarem as praias, geram sons próprios e únicos, produzidos por miríade de instrumentos musicais invisíveis dignos de ser escutados e cuidadosamente estudados.
Contudo, essas harmoniosas marcas e assinaturas acústicas de cada ser vivo, e dos demais participantes na existência terrena, têm vindo a ser substituídas por perigosos ruídos nefastos da desenfreada actividade humana. Com o prosseguimento dessas acções perniciosas, corremos sério risco de fazer desaparecer, gradualmente, a grande orquestra da natureza. Se continuarmos a ser teimosos e persistirmos nos nossos erros, agredindo a natureza, primeiro os sons serão substituídos por ruídos e depois não estaremos cá para escutar o silêncio.
Se as paisagens sonoras tivessem sido registadas e arquivadas ao longo da história da humanidade, como tem vindo a fazer, desde os fins dos anos sessenta, o reputado músico ecologista sonoro, Bernie Krause, que gravou mais de quinze mil espécies marinhas e terrestres, viajando em redor do planeta, havíamos de ter múltiplas surpresas, umas inquietantes e assustadoras, outras, tão deslumbrantes, que nos deixariam pasmados e constantemente a sonhar, alegres e felizes.
Em posse desses dados objectivos e não com meras suposições ou percepções subjectivas, não só seríamos capazes de tirar variadas inferências como constataríamos também a evolução do grau da malvadez que os humanos têm vindo a infligir à natureza, por se considerarem donos e senhores do globo terrestre e se preocuparem, sobretudo, com o seu bem-estar.
Consciente ou inconscientemente, utilizando os argumentos e justificações mais díspares, às vezes, inconcebíveis e estrambólicos, os humanos têm actuado tendo a despreocupação e a negligência como nota dominante, como se a débil natureza humana fosse imune a todas as intempéries das inevitáveis reacções de retorno.
Nunca é demais recordar o alerta atribuído a Albert Einstein, cujas sábias e visionárias palavras foram lançadas numa época em que o desconcerto ecológico e os seus problemas, mais prementes, ainda não se encontravam na ordem do dia: “se as abelhas desaparecerem da face da Terra, a humanidade terá apenas mais quatro anos de vida”.
No presente, caminhando a humanidade em permanente sobressalto e no mundo de incertezas, com a persistência da guerra na Europa e no Médio Oriente, com Mark Rutte, secretário-geral da Organização do Tratado do Atlântico Norte (NATO), a prestar descarada vassalagem, bajulando o autoconvencido monarca Donald Trump, e garantindo-lhe, servilmente, com rasgados sorrisos, de orelha a orelha, que os aliados da NATO, irão aumentar as despesas com a defesa para 5% do respectivo PIB, até 2035, estamos a encurtar a distância para a voluntária queda no abismo e sem bilhete de regresso que, os mais inconformados, querem evitar enquanto é tempo.
Bem sei que muitos governantes, profundamente receosos e assustados, talvez apenas para satisfazer as birras de todo-poderosos do momento, com o apoio e cobertura de solícitos comentadores político-militares e de determinados meios de comunicação social, têm vindo a formatar a mente dos seus concidadãos, para a inevitabilidade da necessidade de rearmamento, esquecendo que os actuais dirigentes não são eternos e que os Rutte’s, os Trump’s, os Putin’s e os Netanyahu’s são meros figurantes passageiros mortais.
Face à minha provecta idade, como não posso garantir que ainda cá estarei em 2035, deixo aqui escrito, para memória futura, que Portugal jamais atingirá a meta traçada por determinados dirigentes europeus, que focalizam grande parte da sua energia na guerra em vez de a canalizarem para lutar pelo desarmamento global e pela paz universal.
“Sendo a violência o limite da incompetência”, como disse Gandhi, e vivendo nós no período da lógica do medo, estou seguro de que, no momento certo e oportuno, o inteligente e previdente povo europeu irá despertar para a realidade e lhes dará a resposta adequada, impedindo que o mundo seja lançado para a desgraça e para o previsível desastre fatal!
Seja qual for a decisão por nós tomada, a monumental orquestra da natureza jamais irá silenciar a sua encantadora música, todavia poderá vir revestida de outros sons e escutada por protagonistas diferentes.
Quanto a nós, pobres e frágeis humanos, tudo irá depender de nós e só de nós, pois somos livres de concorrer para a autodestruição e total exclusão, ou continuarmos a participar, como actores e intérpretes efectivos, na bela e monumental sinfonia da orquestra universal.