Aqui estamos, no teatro grotesco da Saúde onde a ministra da Saúde, apresentada como a “parteira da esperança” se revelou, afinal, a parteira do caos
Portugal assiste a um espectáculo indigno em qualquer país europeu.
Os hospitais rebentam pelas costuras. As urgências fecham como portas de tascas falidas. Os doentes são transportados de ambulância em ambulância, como pacotes perdidos num serviço postal que já não entrega cartas. E perante este cenário de ruína, o que faz a senhora ministra? Sorri. Sorri como quem observa um incêndio com um copo de água na mão e insiste, “está tudo controlado”. Mas não está.
No Carregado, uma grávida foi obrigada a dar à luz na rua, assistida pelos pais, porque a ambulância não chegou a tempo. O caso levou o Ministério da Saúde a abrir um inquérito e a Ordem dos Médicos a classificá-lo como “inadmissível”. Os efeitos psicológicos estão aí. A jovem não quer voltar a passar naquela rua por vergonha e a filha, ainda criança, com o trauma com que ficou por ter assistido a tudo, diz que não quer ter filhos.
E não se trata de um episódio isolado. Só nos primeiros quatro meses do ano houve 21 partos assistidos em ambulâncias. Até Agosto, os bombeiros contabilizavam já 39, enquanto o Ministério da Saúde admitia apenas 18. A discrepância nos números só reforça a sensação de que a tutela prefere maquilhar estatísticas a enfrentar a realidade.
O problema nasce no fecho crónico das urgências de obstetrícia que empurra mulheres grávidas a vaguear de terra em terra, fora da sua área de residência, como se a maternidade fosse uma lotaria de quilómetros e não um direito básico.
A “nova normalidade” do SNS resume-se a isto, nascer no improviso, viver à espera, morrer no esquecimento.
Enquanto os portugueses exigem apenas o básico, médicos, enfermeiros, camas, urgências abertas e ambulâncias que cheguem a horas, recebem hospitais a meio-gás, maternidades encerradas, consultas adiadas sem prazo e chamadas de emergência que ficam sem resposta.
No terreno, os médicos continuam a emigrar, os enfermeiros procuram salários dignos noutros países e os técnicos abandonam as carreiras. Os que ficam são deixados à beira da exaustão, esmagados por turnos intermináveis, num SNS incapaz de lhes dar meios e respeito.
O colapso do INEM é outro exemplo gritante. Um problema em que os sucessivos governos socialistas mostraram toda a sua incompetência, focados que estavam na gestão dos interesses partidários e dos seus apaniguados e não orientados para resolver um problema estrutural que exige rigor, coragem e pessoas sérias envolvidas na sua resolução. E esta incompetência prolongou-se em 2024. Durante a greve de horas extra dos técnicos do INEM, os atrasos no atendimento do 112 estiveram alegadamente ligados à morte de onze pessoas. O caso está sob investigação do Ministério Público, mas o essencial já é conhecido, perderam-se vidas porque o Estado falhou.
A própria ministra admitiu falhas graves no transporte de emergência e nas urgências hospitalares, reconhecendo que “a situação não pode ser normalizada”.
E o tão anunciado Plano de Emergência para a Saúde revelou-se uma mão cheia de nada. Com “zero medidas” para o INEM, numa altura em que as urgências fecham, os partos acontecem em ambulâncias e os helicópteros de emergência nem conseguem aterrar nos hospitais.
Perante tudo isto, não chegam mais relatórios, nem estatísticas, nem conferências de imprensa. Números frios não escondem bebés a nascer no alcatrão. Não ressuscitam quem morreu à espera de uma ambulância.
O problema não é apenas falta de recursos. É falta de visão estratégica, falta de coragem para combater os lobbies instalados e incapacidade para o uso adequado dos escassos recursos financeiros.
A ministra que prometia esperança trouxe apenas desculpas. A que devia de ser a guardiã da vida tornou-se a madrinha de um velório anunciado.
Hoje, a Saúde em Portugal resume-se a isto, nascer em ambulâncias, sofrer em filas de espera intermináveis, bater com o nariz na porta de urgências encerradas e morrer agarrado ao telefone em chamadas que não são atendidas.
É o retrato cruel de um país europeu a funcionar com práticas para lá do terceiro mundo.
A ministra não ficará na História como a parteira da esperança, mas como a parteira do desastre.
E aqui não se trata de debate político, mas de responsabilidade. Cada dia que esta ministra se mantém no cargo significa mais um parto na rua, mais uma vida perdida no 112, mais uma urgência encerrada, mais uma esperança destruída.
Só lhe resta um mínimo de dignidade, deve saber o que fazer.
Ao Governo resta um mínimo de decência e respeito pelos portugueses, deve saber o que fazer.
Portugal não precisa de uma parteira do caos. Precisa, com urgência, de uma ministra da Saúde.