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Como as máquinas partidárias fabricam a ignorância e garantem a vitória antes das urnas

Sabe aquele barulho constante de notícias, memes e “escândalos” que surgem todos os dias? Não é só o preço de viver na era digital. Não é acaso, é desenho. Por detrás de cada manchete bem escolhida, cada hashtag que dispara no trending e cada polémica feita para durar 48 horas, há pessoas a trabalhar com um único objectivo, moldar a sua percepção. Não para o informar, mas para o treinar a votar “certo”. E, sejamos honestos, quem é que quer perder tempo a repensar o que já foi decidido para nós?

O jogo começa muitos antes da campanha eleitoral. É aí que preparam o terreno. Chamam-lhe “priming”. Imagine que, ao longo de vários anos, os jornais e os comentadores usam sempre as mesmas expressões para descrever determinados partidos. Um conservador ou nacionalista nunca é, apenas, “conservador” ou “nacionalista”. É, invariavelmente, “extrema-direita” ou “populista”. Com o tempo, a ligação entre o partido e o rótulo torna-se automática na mente do público, quase como se fizesse parte do nome oficial. Por outro lado, quando um partido progressista é apanhado num escândalo de corrupção, a linguagem muda.

Em vez de “corrupção” fala-se em “irregularidades administrativas”, em vez de “ameaça à democracia” prefere-se “tensões institucionais”. A repetição sistemática desta escolha de palavras condiciona a forma como as pessoas percebem a gravidade das situações. Com o passar dos anos parece natural, missão cumprida.

George Orwell não foi lido como alerta, mas como manual de instruções. Controlar as palavras é controlar a forma como pensamos. “Incidente” soa leve, um “ataque” exige reacção. Quando a mesma linguagem é repetida por jornalistas e comentadores alinhados e subservientes com o sistema, o resto desaparece. Talvez seja por isso que muitos já nem se lembram de quando ouviram um argumento que não coubesse na sua bolha.

As propostas complexas exigem tempo e atenção, coisas que já ninguém quer dar. É mais fácil lançar slogans de bolso, “defender a democracia”, “proteger as famílias”. Frases que significam tudo e nada. Cada um lê nelas o que quer ouvir e, enquanto isso, o partido evita compromissos concretos. Como as redes sociais premeiam o que gera cliques e não o que esclarece, as frases curtam correm longe. É natural, o nosso cérebro gosta de atalhos.

Depois vem a polarização. A política deixa de ser conversa sobre ideias e passa a ser guerra de tribos, “nós” contra “eles”. As redes sociais ajudam a cavar as trincheiras, mostrando só o que confirma aquilo em que já acreditamos. Quando a visão contrária aparece, é sempre caricaturada para aumentar a repulsa. Funciona como um loop. Mensagens extremas provocam reacções fortes, são simplificadas e voltam ao mesmo grupo. E, no fundo, dá um certo prazer ter um inimigo identificado, não dá?

E temos a saturação. O espaço público enche-se de polémicas descartáveis. Dura dois ou três dias e vem outra. É a espuma dos dias, agitada, barulhenta e sem profundidade. Enquanto discutimos a indignação da semana, seja a cor da gravata de um político ou um comentário no Parlamento, a dívida pública cresce, a segurança degrada-se e os acordos que mexem com a soberania são assinados à porta fechada. Mas quem quer números quando pode ter indignação fresca?

O sistema sabe premiar quem segue a narrativa certa. Mais tempo de antena, mais convites, mais destaque nos feeds. Quem desafia perde palco e ganha rótulos. Dentro dos partidos é igual. Obedecer abre portas, discordar fecha dedicação à causa. Regras simples e fáceis de seguir.

Se os media tradicionais constroem o enquadramento, as plataformas digitais fazem o polimento final. Não é preciso censurar, basta afogar um post crítico sob uma maré de “conteúdos recomendados” ou reduzir-lhe o alcance até desaparecer no fundo do feed.

Os “fact-checkers” manipuladores da verdade, quase sempre financiados por governos ou fundações alinhadas, tornam-se árbitros da suposta “verdade”. Mas também podem reinterpretar factos ou descredibilizar opiniões incómodas. E ninguém vigia os vigilantes, pois não? É curioso, não é? É melhor assim para evitar confusão e a mensagem passar sem arbitragem isenta.

Agora junte a Inteligência Artificial. Em 2024, circularam nas eleições francesas e nas europeias deepfakes hiper-realistas. Foram poucos casos, mas suficientes para corroer a confiança. Mesmo que, posteriormente, sejam desmentidos a dúvida já está plantada. E só a possibilidade de manipulação já basta para que um político descarte provas legítimas com um simples “isso é falso”. No fundo, até dá jeito não ter de decidir o que é verdade, não acha?

Chega o dia da eleição e o eleitor está convencido de que vai decidir de forma livre. Mas essa “liberdade” foi calibrada durante meses com informação filtrada, palavras escolhidas e exposição controlada. É como entrar numa loja cheia de opções, mas onde todos os produtos vêm da mesma fábrica. Parece escolha, mas não é.

E, enquanto aceitamos esta “estupidificação” como parte do jogo, estaremos a entregar a chave da democracia ao bandido, a quem prefere agitar emoções a explicar soluções. O eleitor deixa de ser cidadão e passa a ser produto. Embalado, rotulado como “livre” e colocado numa urna com um sorriso de satisfação.

Talvez seja assim que deva ser. Afinal, é mais fácil viver com certezas prontas do que enfrentar dúvidas incómodas. Mais confortável confiar no que já lhe serviram do questionar quem o serviu. Quem sabe se, no fundo, até prefere que alguém pense por si. É rápido, é simples, é seguro. E dispensa o esforço de pensar, uma actividade que gasta energia e que contraria a lei natural do ser humano, tudo ao menor esforço.

Mas repare, enquanto lia, provavelmente pensou que estas frases eram apenas conversa franca, parte natural da argumentação. Talvez até tenha concordado com alguns alertas ou sentido aquele “é mesmo isso” que nos dá prazer quando ouvimos o que queremos ouvir. É assim que funciona. Não é preciso forçá-lo, só guiar-lhe o olhar. Um toque aqui, outro ali. Palavras escolhidas não para o informar, mas para o fazer sentir-se confortável enquanto “decide”.

Depois de tudo o que leu sobre manipulação, questionou-se se este texto também estaria a manipulá-lo? Se não se questionou é porque as máquinas partidárias já não vivem só nos partidos ou nas redes sociais. Vivem dentro de nós.

Agora sabe. E já não pode dizer que não foi avisado.

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Mario Diniz
Mario Diniz
Gestor de empresas

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