O Conselho Nacional do Ambiente e do Desenvolvimento Sustentável (CNADS) emitiu esta segunda-feira um parecer negativo ao Decreto-Lei que permitirá a construção em terrenos rústicos, uma medida que entra em vigor no final deste mês. O parecer, aprovado por unanimidade, foi divulgado após a análise do diploma que altera o Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial, anunciado pelo Governo com o objetivo de aumentar a oferta de terrenos para construção e facilitar a criação de soluções habitacionais acessíveis.
O Governo defende que a nova legislação contribuirá para reduzir os preços das casas em 20%, proporcionando uma maior equidade social e permitindo que as famílias portuguesas tenham acesso a habitação digna. A proposta abrange a possibilidade de construção em solos classificados como rústicos, incluindo áreas de Reserva Ecológica Nacional (REN) e Reserva Agrícola Nacional (RAN), embora com salvaguardas nas zonas mais sensíveis.
Contudo, o CNADS discorda dos pressupostos e dos objetivos do Governo. No parecer, o Conselho reconhece que a escassez de solo urbano pode influenciar o aumento dos preços da habitação, especialmente para as populações mais vulneráveis, mas sublinha que a informação estatística disponível não sustenta que esta escassez seja um problema generalizado em todo o território nacional. De acordo com o CNADS, as soluções propostas pelo Governo não têm as condições necessárias para atingir os objetivos desejados, existindo um elevado risco de agravamento dos preços da habitação.
O Conselho destaca ainda que a proposta do Governo não é sustentada por uma evidência empírica sólida e que a visão do Executivo para o ordenamento do território é “anacrónica” e incompatível com os desafios contemporâneos em termos de desenvolvimento sustentável. A alteração da lei é descrita como uma medida que contradiz os princípios do “modelo europeu de intervenção urbana”, que orienta as políticas de ordenamento territorial e urbanismo na União Europeia, e que Portugal tem vindo a adotar ativamente.
O CNADS também sublinha que o debate sobre esta proposta de lei reflete a perda de relevância política das políticas de ordenamento do território nos últimos anos, um fenómeno que se agrava com os efeitos devastadores de fenómenos extremos como incêndios, cheias e deslizamentos de terra. Em resposta à proposta do Governo, o CNADS reativou um grupo de trabalho que já se tinha pronunciado no passado sobre outras modificações legislativas relacionadas com o ordenamento do território.
Este parecer negativo é mais uma crítica à alteração da lei dos solos, juntando-se às opiniões desfavoráveis de várias organizações ambientalistas e especialistas em gestão territorial. Entre os críticos encontram-se o Laboratório Associado TERRA, composto por mais de 400 investigadores das universidades de Lisboa e Coimbra, bem como a Ordem dos Arquitetos, especialistas do PSD e outros antigos governantes. A decisão do CNADS reitera a necessidade de uma abordagem mais cautelosa e integrada nas políticas de urbanismo e ordenamento do território, com um foco no desenvolvimento sustentável e na preservação dos recursos naturais e paisagísticos.