Tempos houve em que até os reis marcavam a diferença pela sua fé, sendo ela que dava o tom ao seu comportamento e ação governativa e educativa. Outros tempos, dirão alguns!… Sim, outros tempos, outra gente, outra forma de estar, de viver a fé, de conceber o mundo. Cristo, porém, veio para todos de todos os tempos. É certo que todas as realidades terrenas, toda a criatura e todas as sociedades, gozam duma legítima e saudável autonomia, possuem leis e valores específicos, têm solidez, bondade, verdade e regras próprias, que o homem, gradualmente, vai descobrindo, assimilando e usufruindo, de tal forma que ler a história de outrora com os olhos de hoje pode dar barraca.
Nessa dinâmica de saberes e de conhecimento se vai gerando o desenvolvimento dos povos, o progresso, o bem-estar, a evolução social. Coisas que devemos aplaudir, cientes de que o homem foi dotado de capacidade para desenvolver todas as potencialidades da Criação, sem ceder à tentação de querer substituir o Criador ou de se julgar dono e senhor dos outros e disto tudo.
Quando isto acontece, temos mosquitos por cordas: guerras, sofrimento, fome, mal-estar, desamor, morte. Sabemos que muitos desdenham a ligação entre a atividade humana e a religião. Acham que isso prejudica a autonomia das pessoas, das sociedades e das ciências, quando, na verdade, se ajudam e complementam mutuamente. Seja como for, nestes tempos que são os nossos, se não pode ser tão ao jeito de outrora, tem de haver outro jeito de viver, testemunhar e anunciar a fé, sem vergonha nem preconceitos, a começar pela família onde as histórias de roca e fuso, à lareira, acabaram.
A fé e a salvação não são coisas do passado nem deixaram de ser relevantes: ‘Que importa ao homem ganhar o mundo inteiro, se perder a sua vida?’ (Mc 8, 36). Se o tema da salvação não fosse importante, que razão haveria para Deus ter enviado o seu Filho à terra para morrer por nós, na cruz, inocentemente?
Para suavizar a tristura do fim de férias de alguns, e porque estes textos dificilmente chegam às mãos das pessoas, hoje recordo os conselhos de Santo Estevão da Hungria a seu filho, seu sucessor no trono. Santo Estevão foi o primeiro rei da Hungria. Reinou desde 1000 até à sua morte, em 1038. Em Fátima, à entrada da Basílica do Rosário, do lado esquerdo, há uma imagem de Santo Estevão, bem como lhe foi dedicada a capela da Via-Sacra no Calvário Húngaro, onde também figura num vitral. Foi o primeiro rei a consagrar o seu país a Nossa Senhora. A par, recordo-lhes também parte do testamento espiritual de São Luís, rei de França, a seu filho, também seu sucessor como rei. São Luís foi Rei da França de 1226 até à morte, em 25 de agosto de 1270. Nesta Diocese, no Vale da Ursa, em Sobreira Formosa, Proença-a-Nova, temos uma capela dedicada a São Luís, Rei de França. O São Luís da capela do Monte de São Luís, em Escalos de Baixo, não é o rei de França. Era de ascendência real italiana, filho de Maria da Hungria e de Carlos II de Nápoles, foi Bispo de Tolosa, França. A sua imagem tem mitra, báculo e coroa real aos pés. Era conhecido como Louis d’Anjou.
DE SANTO ESTEVÃO DA HUNGRIA A SEU FILHO:
“Em primeiro lugar, eu te ordeno, aconselho e recomendo, filho caríssimo, que, se desejas honrar a coroa real, conserves a fé católica e apostólica com tal diligência e fidelidade que sirvas de exemplo a todos os súbditos que Deus te confiou, e todos os homens da Igreja te considerem, com razão, um verdadeiro homem de fé cristã, sem a qual, bem o sabes, não te podes chamar cristão ou filho da Igreja. No palácio real, a seguir à fé, a Igreja ocupa o segundo lugar, ela que foi fundada por Cristo, nossa Cabeça, e depois foi transplantada e firmemente edificada pelos seus membros, os Apóstolos e os Santos Padres, e difundida por todo o mundo. E embora ela continue sempre a formar novos filhos, em certos lugares já se considera antiga.
Na nossa monarquia, filho caríssimo, ela é ainda jovem e recente, e por isso necessita de maior vigilância e proteção, a fim de que este dom, que a divina clemência nos concedeu sem o merecermos, não seja destruído e aniquilado por teu desleixo, preguiça e negligência. Querido filho, doçura do meu coração, esperança da minha futura descendência, eu te peço e mando que, por todos os meios e em todas as circunstâncias, sejas benevolente não só para com os familiares e parentes, os príncipes, os nobres e os ricos, os vizinhos e os habitantes do país, mas também para com os estrangeiros e todos quantos recorrem a ti. Porque o fruto da piedade será a tua suprema felicidade. Sê misericordioso para com todos os que sofrem violência, recordando sempre no íntimo do teu coração o exemplo do Senhor: Eu quero a misericórdia, mais que o sacrifício. Sê paciente para com todos os homens, não só os poderosos, mas também os que o não são.
Finalmente, sê forte, para que nem a prosperidade te ensoberbeça nem a adversidade te desanime. Sê também humilde, para que Deus te exalte, agora e no futuro. Sê moderado e não castigues nem condenes ninguém excessivamente. Sê manso e nunca te oponhas ao sentido da justiça. Sê honrado, para que ninguém venha a sofrer qualquer desonra por tua causa. Sê nobre de sentimentos, evitando como veneno mortal toda a pestilência da sensualidade. Tudo isto é o ornamento da coroa real; sem isto ninguém pode reinar neste mundo nem alcançar o reino eterno”.
DE SÃO LUÍS DE FRANÇA A SEU FILHO:
“Filho caríssimo, eu te exorto, em primeiro lugar, a que ames o Senhor teu Deus com todo o teu coração e com todas as tuas forças; sem isto não há salvação. Filho, deves evitar tudo o que sabes ser ofensa a Deus, isto é, todo o pecado mortal, de tal modo que prefiras sofrer todos os tormentos do martírio a cometer um só pecado mortal. Além disso, se o Senhor permitir que te sobrevenha alguma tribulação, deves suportá-la com generosidade e ação de graças, pensando que é para teu bem e que talvez a tenhas merecido. E se o Senhor te conceder alguma prosperidade, deves agradecer Lhe humildemente, procurando que não te seja causa de ruína moral, ou por vanglória ou por qualquer outro motivo, porque seria iníquo valer se dos dons de Deus para O combater ou ofender.
Assiste de boa vontade e com devoção ao culto divino; enquanto estiveres na igreja, evita a distração do teu olhar ou as palavras inúteis e reza devotamente ao Senhor com oração vocal ou mental. Sê misericordioso para com os pobres, os infelizes e os aflitos e, segundo as tuas posses, ajuda os e reconforta os. Dá graças a Deus por todos os seus benefícios, a fim de seres digno de receber outros maiores. Sê justo para com os teus súbditos, sem nunca te desviares da linha reta da justiça, nem para a direita nem para a esquerda; coloca-te sempre mais do lado do pobre que do rico, até averiguares com certeza de que lado está a verdade. Sê diligente em procurar que todos os teus súbditos vivam em paz e justiça, sobretudo tratando-se de pessoas eclesiásticas e religiosas.
Sê dedicado e obediente para com a nossa mãe, a Igreja Romana, e para com o Sumo Pontífice, nosso pai espiritual. Esforça-te por erradicar do teu território toda a espécie de pecado, principalmente as blasfémias e as heresias. Filho caríssimo, para terminar, eu te dou toda a bênção que um pai piedoso pode dar a seu filho. A Santíssima Trindade e todos os Santos te guardem de todo o mal. O Senhor te conceda a graça de cumprires sempre a sua vontade, servindo-o e honrando-o de tal modo que depois desta vida todos nós possamos vê lo, amá-lo e louvá-lo sem fim. Ámen”.