Jean-Marie Le Pen, fundador da extrema-direita francesa, exímio trapezista das incoerências ideológicas, morreu ontem, deixando um legado de divisão, intolerância e uma biblioteca inteira de frases que nem ele entendia. Era um homem que conseguia transformar cada jantar em família numa convenção de neonazis com buffet. Não contente com o papel de vilão secundário, insistiu em protagonizar um teatro de horrores onde os pobres eram culpados da existência do próprio planeta e os ricos, coitados, vítimas do peso das suas carteiras.
Diz-se que o senhor Le Pen nasceu, mas há quem duvide. A teoria mais credível é que foi fabricado num caldeirão medieval, enquanto se recitavam maldições em latim macarrónico. E de lá saiu, armado com ideias que seriam revolucionárias – em 1347. A Frente Nacional, que fundou, poderia ter sido chamada Traseira Nacional, pois tudo o que defendia vinha de um passado que até os dinossauros achariam jurássico. Racismo, xenofobia e desunião eram as especialidades da casa, servidas com uma pitada de elitismo e um acompanhamento de paranóia.
A filha, Marine Le Pen, adoptou-o como pai – porque, convenhamos, precisava de um atestado de fascismo familiar para apelar aos órfãos do senso comum. Como se não bastasse, Marine passou a apresentar-se como “a boa fascista”, um conceito que rivaliza em credibilidade com dietas à base de chocolate e manteiga de amendoim. A relação entre os dois era uma novela francesa de quinta categoria: ele dizia asneiras com sotaque medieval, ela corrigia com verniz de socialite, e o mundo assistia, incrédulo, ao circo familiar mais disfuncional desde os Borgia. E até pregou sustos à 503ª República…
Mas não fiquemos por aqui. Jean-Marie também foi pioneiro na culpa imaginária. Segundo consta, ele foi responsável pela extinção dos unicórnios e pelo fim da Era do Gelo. Fontes não confirmadas garantem que tinha um plano secreto para substituir a Torre Eiffel por uma estátua sua, com direito a braço esticado – para apontar para o futuro distópico que idealizava.
A cereja no topo da tragédia era o seu talento para transformar debates em tiroteios verbais, onde cada frase era uma bala de desinformação. Nunca perdeu uma oportunidade para atacar os direitos humanos – com a graça de quem pisa lesmas e diria que era arte moderna. Os seus discursos, sempre recheados de frases curtas e sentenças longas, eram um balão de ensaio onde a lógica ia para morrer.
Jean-Marie Le Pen deixou-nos, finalmente, e o planeta respirou de alívio. Não porque tivesse feito algo bom em vida, mas porque não fará mais nada.
Mas sejamos justos: há um lado positivo em pessoas como ele. Jean-Marie era um perfeito exemplo de como não ser, uma espécie de tutorial vivo – agora morto – sobre como destruir o tecido social em três fáceis passos. Em termos de originalidade, conseguiu reciclar preconceitos milenares e apresentá-los como se fossem ideias frescas. Era, afinal, o único ser humano que conseguia fazer discursos que simultaneamente adormeciam e indignavam a audiência.
E quem pode esquecer os seus momentos mais brilhantes? Como aquela vez em que sugeriu que os ciganos poderiam ser medidos pelo tamanho dos seus acampamentos, ou quando defendeu que a pobreza era uma escolha. Tudo isto com a confiança de quem nunca se deu ao trabalho de ler um livro que não fosse o manual de instruções do próprio ego.
A sua morte é uma perda irreparável – para os humoristas, que ficarão sem a fonte inesgotável de material que ele oferecia. Agora, a Frente Nacional (ou Traseira, como preferirem) fica à deriva, liderada por uma Marine que tenta transformar o fascismo num produto gourmet. Há quem diga que ela consegue ser pior que o pai, o que seria um feito equivalente a escalar o Everest em patins.
Enquanto a família Le Pen tenta digerir esta perda monumental, nós ficamos a reflectir sobre como este homem conseguiu estar tanto tempo de pé sem nunca ter desenvolvido uma coluna vertebral. Jean-Marie deixa uma memória que é ao mesmo tempo um aviso e uma piada de mau gosto. Bem tentou Louçã ataca-lo! E nem o Perry Mason o conseguiria defender.