Conheci-te mesmo menino, ainda Joãozinho, quando o Algarve estava a ser descoberto e a liberdade continuava a ser intensamente vivida, poucos anos depois de 1974. Muitas vezes as noites eram passadas na praia e só de madrugada chegávamos à tenda situada no parque de campismo militar, logo acima da Praia da Batata. Durante o dia alternávamos entre a Meia Praia ou outra praia da zona e uma mariscada em Vila do Bispo ou sardinhada no Beliche ou Martinhal, bem regada com vinho algarvio, que não parece mas sobe bem…
Habituado ao conservadorismo da Figueira da Foz, para onde costumava ir com os meus pais, surpreendeu-me a descontração do topless feminino ou mesmo, em zonas mais isoladas, a prática do nudismo, também assumido entre as jovens do nosso grupo, afastados dos olhares depreciativos dos mais velhos. O naturismo começara a surgir nas praias do Algarve na segunda metade dos anos 70, especialmente com a chegada massiva de turistas estrangeiras, sobretudo do norte da Europa, que já tinham essa prática como algo natural.
Foram dias de alguns excessos, que acabaram por deixar marcas em quem se deixou afundar, por não ter conseguido gerir o prazer da descoberta. Mas não foi o teu caso, amas demais a vida!
Continuas Menino do Mar nesse Havaí de calor que provoca arrepio, fazes lembrar os sons de Caetano onde algumas cicatrizes e rugas tatuaram um Leãozinho verde no teu corpo aberto no espaço, coração solto, de eterno flerte. Foi nas ondas do mar que encontraste prazer e sustento, surfando e trabalhando num barco de recreio onde, prego a fundo, os teus clientes sentem vento tão forte, velocidade feita Nortada, que chegam a ser cuspidos dos insufláveis! “Eu canto pra Deus Proteger te”…
O sustento é pouco que os tempos estão difíceis, mas chega para a tua rotina diária de “muita bike, futebol e surf”. Continuas a ouvir Stones e Beatles, Bowie, Hendrix, Doors e outros roqueiros, e muita, muita música africana. A leitura sempre foi tua companheira, desde que no liceu descobriste Constantino Guardador de Vacas e de Sonhos, mantendo as assíduas visitas à Biblioteca Municipal de Lagos. Admiras a escrita de Saramago, Lobo Antunes e Baptista Bastos, mas é em Alves Redol que encontras “ contos e romances de rara beleza, onde a luta pela justiça laboral está sempre presente”.
Coração livre e cheio de amigos, quem te conhece sabe que continuas a alegria encarnada, sorriso rasgado no rosto tisnado, e que na tua bicicleta, com prancha bem presa, os teus olhos azuis celeste brilham como estrelas que guiam rumo às amadas ondas de Porto de Mós. Antes de descer a pequena encosta, paras para admirar as íngremes falésias de arenito que conduzem até à extensa e tranquila praia de areia fina, com ondas e ventos fortes soprados do Oceano Atlântico. Num destes dias vai ao Carvoeiro e dá um grande abraço ao Beto Kalulu, músico de espírito liberto e independente como tu, africano de alma e coração, talvez ele te componha uma canção para voltares a dançar com a Mariama…
Sei que vais continuar a ter uma vida bem mais feliz que o Menino do Rio de Caetano, que teve fim trágico, a tua liberdade vai perdurar