A freira visionária estava sossegadita nos seus aposentos do convento de Mont Pelliers, lá nas bélgicas. Tinha ingressado no convento já lá ia um ano, aos seus 15, quando começou a ouvir deus nosso senhor. Juliana de Mont Cornillon deve ter apanhado um susto do caraças. Uma miúda de 16 anos no séc. XIII a ouvir cenas podia bem ser imediatamente posta na fogueira (não havendo prozac, as loucas acabavam muitas vezes grelhadas).
Sorte a da freira Juliana. O cónego Tiago Pantaleão de Troyes, um posto acima de padre e amigo das noviças de Mont Pelliers, encontrou candura em Juliana e acreditou-lhe a história das visões e da mensagem. Como era a visão?
Era recorrente e mostrava “uma lua dividida em dois por uma faixa negra”. Vai daí, interpretou-se a coisa como sendo um apelo de deus-nossenhor para que se dedicasse um dia à celebração da Eucaristia – o momento da missa onde a bolacha e o vinho doce se transformam em carne e sangue. Confuso? Não esteja. É milagre.
Quem não estava pelos ajustes era a burguesia. Quando Roberto de Thourotte, que iria acabar mal por querer ser vizir no lugar do vizir, instaurou a festa, o patronato começou a espernear. Gritavam que era mais um feriado que ia custar dinheiro e parar a produção. Malditos proletas sempre a arranjar desculpas para não fazer um caracol, inda por cima à custa da freira da lua cortada.
Mas a magnífica interpretação da lua com faixa foi mesmo adiante. Juliana é que não teve sossego. Perseguida como um qualquer sindicalista dos novos, a querer dar descanso imerecido aos jornaleiros, andou a visionária fugida de mosteiro em mosteiro, de Val Benoît a Huy e Salzinnes, acabando por morrer a 5 de Abril de 1258, em Fosses-la-Ville.
Em Liège, onde o patronato se tinha oposto ao feriado, a malta nova e os padres lá insistiram – tanto que Urbano IV, depois de saber da freirita e da necessidade de catar mais uns impostos para a dividida Igreja, consagrou o dia ao mistério da Fé e, desde então, só Montenegrino, Meloso e aVentura acharam por bem mandar Juliana à fava – e fosse à missa quem quisesse.
Claro que Urbano IV só confirmou a festa depois de um milagre: Em Bolsena, terra perto de onde Urbano tinha assentado arraial, por não poder entrar em Roma por causa de umas questões paralelas, deu-se o necessário. O padre local andava cheio de dúvidas se deus se manifestava ou não na bolacha e no vinho. Foi ao Papa, que lhe disse que tivesse juízo e voltasse à terra.
Os cristãos, com o talento habitual, escrevem que estava o pobre homem, quase ateu, a dar a missa e, no momento seguinte ao da consagração da hóstia e da vinha, pimba: “Acabada esta última, o preciosíssimo sangue começou a borbulhar, subiu, subiu, transbordando e gotas e muitas gotas derramaram-se sobre o corporal, tingindo-o de sangue. Assustado com o facto inexplicável, pensa em ocultar o milagre, tanto mais que o atribui ao seu pecado. Dobra, cuidadosamente o corporal e procura escondê-lo debaixo da pedra d’ara. Mas, o sangue passa pelo linho e quatro gotas caem sobre os degraus do altar, deixando impressos os sinais evidentes do sangue. Que fazer?”
Enviou o pano ao Papa que, tendo ali relíquia, mandou à fava os burgueses e impôs o feriado.
No fundo, no fundo, percebe-se porque José Rodrigues dos Santos tem razão: se os fascizóides têm origem no marxismo, este feriado proleta não podia existir sem um forte apoio parlamentar de marxistas. É o milagre da Bíblia a transmutar-se n’O Capital.
Isto é: Adeus, Adília.
Bom ano.