O antigo primeiro-ministro Passos Coelho descreveu a gestão do Grupo Espírito Santo como um caso de polícia e disse esperar que a culpa não morra solteira. Ouvido como testemunha no julgamento, Passos Coelho elogiou o antigo governador do Banco de Portugal, Carlos Costa, que diz um homem de coragem por fazer frente a Ricardo Salgado. À saída do tribunal considerou que não se sente responsável pela queda do banco que considerou como uma “falência desordenada”
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O antigo primeiro-ministro Pedro Passos Coelho afirmou, esta terça-feira, à saída do tribunal onde foi ouvido como testemunha no caso BES/GES, que não se sente “responsável pelo que se passou no Banco Espírito Santo, porque não tinha responsabilidades” neste banco. “Creio que agi de acordo com a interpretação que fiz, que era do interesse coletivo, do Estado e nacional”.
Em declarações aos jornalistas considerou, contudo, que “houve responsabilidades” e que estas terão “de ser apuradas”. “Espero que haja a possibilidade de se identificar as responsabilidades”.
Questionado sobre a nacionalização do BES, Pedro Passos Coelho apontou que era algo fora de questão. Sustenta que teria custado muito dinheiro aos contribuintes. “A nacionalização tinha sido uma decisão tomada anos antes pelo Governo que me antecedeu. O BPN era uma banqueta, era um banco pequenino. A nacionalização do BPN ainda hoje custa biliões de euros ao Estado português. Agora imagine uma coisa com a dimensão do BES.”
Segundo o antigo primeiro-ministro, a nacionalização do BES seria sinónimo de “uma fatura pesadíssima para os contribuintes”.
Além disso, defendeu que “era impensável que a Caixa Geral de Depósitos pudesse atuar no sentido de promover um financiamento ao Grupo Espírito Santo”, grupo este que “estava sem sustentabilidade financeira”. “Teve de resolver os seus problemas”, defendeu.
Reuniões em S. Bento
Passos Coelho revelou que reuniu com Ricardo Salgado em 2012 e 2013. “Uma vez ou outra o doutor Ricardo Salgado, como outros solicitava audiência. E recebi-o. Tal como a outros presidentes de bancos”, começou por explicar, acrescentando que “houve duas reuniões em 2014, abril e maio”.
“Na primeira, Ricardo Salgado mostrou desconforto pela forma como o Governador do Banco de Portugal estava a lidar com o BES e mostrou documento uma garantia bancária do Banco Angolano, para provar a solidez do BES, mas insistia que o Governador estava a pressionar demais sobre a situação do BES”.
Segundo o antigo primeiro-ministro, “a pressão era para substituir os membros da família por outros administradores”, acrescentando que não foi ou mandou verificar a veracidade da garantia bancaria angolana.
Já sobre a segunda reunião, Passos Coelho revela que Ricardo Salgado foi acompanhado por José Manuel Espírito Santo e José Honório e que Salgado “solicitou ajuda do Governo para salvar o banco BES e para junto da Caixa Geral de Depósitos haver um plano de apoio financeiro ao GES”. O plano foi apresentado por José Honório que pediu apoio para dar tempo ao grupo “para recuperar”.
Ricardo queria que Estado ajudasse BES
O antigo primeiro-ministro afirma ainda que “Salgado alegou que seria a altura do Estado ajudar o Grupo de forma a retribuir o que o GES já tinha feito pelo país” e que o “crédito que propuseram seria de dois mil milhões de euros”.
Passos Coelho diz que teve uma reação prática e afirmou que o plano não teria qualquer intervenção do Governo porque “não faria sentido nem seria razoável importar um risco para a CGD”.
“A minha reação foi muito prática: transmiti que esse plano não tinha qualquer viabilidade. Dei a sugestão ao Dr. Ricardo Salgado: negoceie com os seus credores uma falência ordenada, de forma a destruir menos valor e não ter uma situação desordenada”, afirma, acrescentando que “tinha a real percepção de que o GES estava insolvente”.
Garantias angolanas
Perante o tribunal, Passos revelou ainda que o governador do Banco de Portugal lhe garantiu que “tinha uma equipa dia e noite a supervisionar o BES” e que achava “que havia uma estratégia do BES para tentar persuadir o supervisor de que era preciso dar mais alguma folga no plano do Banco de Portugal para salva o BES”.
“Fiquei com a ideia de que o Banco de Portugal não tinha alargado o plafond ao BES nem que houve qualquer exceção. Tenho ideia de Ricardo Salgado me ter mostrado uma carta que tinha a garantia do Estado Angolano. Não li a carta”.
No entanto, Passos Coelho diz que só soube da garantia mais tarde e que só soube através do Banco de Portugal. “Não tenho razão para desconfiar de que o que me transmitiam não era verdade”.
Segundo o antigo primeiro-ministro, Cavaco Silva, que era Presidente da República na altura, “até escreveu ao homólogo de Angola para efetivar a garantia” enquanto Passos falou “com o vice-presidente Manuel Vicente para o supervisor angolano ser diligente para ver como se podia efetivar a garantia. Vim mais tarde a saber que a garantia era para o BESA e não para o BES”.
Caso de polícia
Após as perguntas do Ministério Público foi a vez de Passos Coelho ser interpelado por Nuno Silva Vieira, advogado de mais de duas mil vítimas que são assistentes no processo.
Questionado se as perdas do banco se relacionavam com questões de mercado ou de má gestão, Passos Coelho diz que não lhe “compete saber essas questões.
“Não me compete saber essas questões. Sei que havia um desequilíbrio nas contas e que o Banco de Portugal ficou muito surpreendido. Parece-me muito claro que a exposição do BES ao Grupo Espírito Santo agravou esse desequilíbrio. A mim pareceu-me um caso claro de polícia. Convenci-me de que se tratava de um caso de polícia, não me cabe a mim determinar se era ou não era. Acho que o supervisor foi muito corajoso porque até ali ninguém tinha envidado uma carta ao BES a dar ordens para o que quer que fosse. Aliás foi tão inédito que até o presidente do banco se queixou”, respondeu.
Pedro Passos Coelho justificou o seu entendimento com o facto de o próprio Banco de Portugal (BdP), que tinha “uma equipa dia e noite” a acompanhar a situação do GES, ter ficado surpreendido com o desequilíbrio da instituição financeira.
“Havia um acompanhamento tão rigoroso do regulador, não me pareceu que houvesse negligência grosseira”, acrescentou, elogiando o então governador do BdP, Carlos Costa, por ter sido “uma pessoa com coragem” que não se absteve de pressionar o BES.
Nacionalização não foi equacionada
À data, o então chefe de Governo só “não equacionava” a “nacionalização do banco”, embora admitisse uma “recapitalização pública nos termos da lei” da instituição financeira.
“Na altura, para mim era muito claro que seria pouco provável que os acionistas do BES solicitassem essa recapitalização pública, no sentido em que isso equivaleria a perderem o controlo do banco”, vincou.
Pedro Passos Coelho insistiu mais do que uma vez que, nos meses que antecederam a resolução do banco e deu origem ao Novo Banco, “era claro que o BES ia mudar de dono”, uma vez que o GES “estava a enfrentar um processo de insolvência […] não formal”.
No depoimento de cerca de três horas, o antigo primeiro-ministro relatou como, nas vésperas da decisão, tentou sensibilizar o então vice-presidente de Angola, Manuel Vicente, para a necessidade de o Banco de Angola responder com celeridade ao BdP sobre as relações entre o BES e o BES Angola.
A subsistência de dúvidas quanto à transferência de ativos entre as duas instituições obrigaria o regulador angolano a diligências que demorariam.
“Era tempo que na altura não existia”, observou.
18 arguidos
O processo conta atualmente com 18 arguidos, incluindo o ex-presidente do BES, Ricardo Salgado, de 80 anos e diagnosticado com a doença de Alzheimer.
Ricardo Salgado responde por cerca de 60 crimes, incluindo um de associação criminosa e vários de corrupção ativa no setor privado e de burla qualificada.
O Ministério Público estima que os atos alegadamente praticados entre 2009 e 2014 pelos 18 arguidos, ex-quadros do BES e de outras entidades do GES, tenham causado prejuízos de 11,8 mil milhões de euros ao banco e ao grupo.
O julgamento começou em 30 de outubro de 2024, no Tribunal Central Criminal de Lisboa.