Foi sob o signo da polarização entre esquerda e direita que a Assembleia da República assinalou esta segunda-feira, em inédita sessão solene, o 25 de Novembro de 1975. A primeira contestou o que considera ser uma tentativa de desvalorização do 25 de Abril. A segunda quis conotar a data com o que considera ser o verdadeiro advento da democracia. Por sua vez, o presidente da República deu uma lição de história. Dos militares envolvidos no 25 de Novembro apenas o general Ramalho Eanes compareceu à ‘chamada’ de Aguiar Branco para celebrar com os deputados a data.
A comemoração do 25 de Novembro nunca foi consensual, numa divisão marcadamente ideológica, como se percebeu mais uma vez. Nascida entre polémica, a primeira sessão solene do 25 de Novembro foi também marcada por clivagens entre quem queria equiparar a data ao 25 de Abril e quem não queria sequer voltar a repetir a comemoração. Em maior ou menor número, com ou sem cravos ao peito, os partidos marcaram presença na Assembleia da República – à exceção do PCP que deixou a bancada totalmente vazia.
A bancada do PCP estava vazia. Assim, como os lugares nas galerias destinados aos militares que participaram no 25 de Novembro. Apenas Ramalho Eanes compareceu, o coronel Vasco Lourenço, presidente da Associação 25 de Abril, e actor e autor central do 25 de Novembro e que, a par com o general Ramalho Eanes, foi um dos principais obreiros do 25 de Novembro.
Vasco Lourenço, que recusa a equiparação com o 25 de Abril, diz que esta é a festa dos que também foram derrotados nesse dia, que queriam transformar numa vingança e num retrocesso. O presidente da Associação foi uma das principais figuras do próprio 25 de Novembro. Membro da chamada ala moderada do MFA, foi um dos nove do Grupo dos Nove, liderança política do golpe ou contragolpe (conforme o ponto de vista). A sua escolha para comandante da Região Militar de Lisboa, substituindo Otelo Saraiva de Carvalho, foi o gatilho dos acontecimentos. E teve um papel político e militar absolutamente central naqueles dias.
Também recusaram o convite que lhes foi endereçado por Aguiar Branco, o general Pezarat Correia e o coronel Rodrigo de Souse e Castro, ambos membros iniciais do grupo dos Nove, do Movimento das Forças Armadas. Já o general Garcia dos Santos, do mesmo grupo dos Nove, disse à Lusa não ter sido convidado.
Os discursos desta segunda-feira, à semelhança do que aconteceu com os militares do Grupo dos Nove, mostraram uma Assembleia da República dividida sobre a celebração desta data. A maioria dos deputados à esquerda tinham cravos vermelhos ao peito e em cima das bancadas, incluindo o PS, o Bloco de Esquerda, o Livre e o PAN. Inês Sousa Real levou um cravo na mão quando subiu ao palanque para discursar. E Joana Mortágua, do BE, ofereceu um cravo vermelho ao Presidente da República quando Marcelo Rebelo de Sousa passou pela bancada a caminho da tribuna presidencial.
Após os discursos dos partidos e do presidente da AR, seguiu-se Marcelo Rebelo de Sousa, que foi a voz moderadora numa guerra política pela memória. O chefe de Estado começou por apontar que “quem fez o 25 de Abril foram os capitães de Abril, unidos no essencial”.
Para o Presidente, o 25 de Abril “começou por ser um movimento militar, mas rápido se tornou numa revolução”.
Após recordar o ‘verão quente’ de 1974 e os eventos-chave que antecederam o 25 de Novembro, Marcelo saudou algumas personagens que contribuíram de forma determinante para o sucesso do movimento, entre eles Ernesto Melo Antunes, Ramalho Eanes e Jaime Neves.
Destacou ainda o papel de Mário Soares, que “culminaria a liderança frentista no ano de 1975”. Francisco Sá Carneiro e Diogo Freitas do Amaral também foram mencionados pelo Presidente da República.
O chefe de Estado apontou também que a “democracia política e eleitoral plena” não ficou “definitivamente consagrada em 25 de novembro”, mas sim “sete anos depois com a primeira revisão da Constituição”.
“Pode afirmar-se que a 25 de Abril começa a liberdade e a 25 de Novembro de 75 a democracia? É mais rigoroso dizer que a 25 de 1974 se abre um caminho complexo e demorado”, afirmou.
Para o Presidente, o 25 de Novembro “foi muito significativo” porque sem ele “o refluxo revolucionário teria sido mais demorado, mais agitado e mais conflitual”.
Apontou ainda que há décadas que é assinalado que o 25 de Abril “é a data maior” porque representa “um virar de página historicamente mais profundo”.
Já o presidente da Assembleia da República, José Pedro Aguiar Branco, começou o seu discurso enfrentando de imediato o elefante na sala: “Não o vou ignorar a questão, nem de fazer de conta que ela não existe: há quem tema que a cerimónia de hoje sirva para comparar datas e acontecimentos [25 de Abril e 25 de Novembro]. Há quem tema que esta cerimónia sirva para desvalorizar o 25 de Abril, para o desconsiderar.”
“Permitam-me a clareza: o 25 de Abril não é desvalorizável, não é equiparável, não é substituível.” Para o presidente da Assembleia da República, assinalar o 25 de Novembro “não é mais do que celebrar Abril e o que só Abril iniciou: A liberdade e o desejo de democracia”.
José Pedro Aguiar-Branco assume que as diferenças são parte integrante da democracia, mas lamenta que muitas vezes se caia “no exagero” nas disputas políticas.
“Seja por necessidade de afirmação ou por desejo de fácil mediatismo, focamos o debate político, apenas, no que nos separa. Temos mais palavras para o que está mal do que para o que está melhor. Preferimos, muitas vezes, discutir mais do que dialogar. Preferimos contestar a aplaudir.”
Triunfo da moderação
O deputado do PSD, Miguel Guimarães, mencionou que o 25 de Novembro “selou e garantiu a liberdade conquistada pelo povo português em 1974”. “Esta data simboliza o triunfo da moderação sobre o extremismo”, declarou.
O deputado social-democrata afirmou que “ninguém de boa-fé negará que foi o 25 de Novembro que nos possibilitou viver numa democracia liberal e pluralista, livrando-nos de viver numa ditadura popular de inspiração marxista”.
Para Miguel Guimarães o 25 de Novembro “não é outra data qualquer”, mas sim uma data que assinala o momento que “possibilitou a concretização da verdadeira promessa da revolução de Abril: a liberdade”.
O social-democrata entende que sem o dia que hoje se assinala não haveria pluralismo político em Portugal, nem direito à propriedade privada em Portugal. Por fim homenageou o general Ramalho Eanes e “todos os líderes do 25 de Novembro”.
Eanes e Soares homenageados
“O 25 de Novembro foi um recomeço”, mas não se pode comparar aos 25 de Abril destaca o socialista Pedro Delgado Alves, num discurso em que homenageou as figuras centrais da data, como Ramalho Eanes e também Mário Soares.
“O Partido Socialista tem a legitimidade e a autoridade histórica para recordar que, precisamente por não rejeitar por um instante que seja o seu papel e a sua responsabilidade direta no sucesso do 25 de Novembro, a sua equiparação simbólica e cénica à comemoração da data fundadora do regime democrático é um caminho de reabertura de feridas há muito e bem saradas.”
As datas “fraturantes não se comemoram, recordam-se”, aponta Pedro Delgado Alves. “Em momento algum tivemos qualquer dúvida sobre o que é que devíamos valorizar sobre o que é que devíamos construir com memória histórica. Não o façamos agora, não viremos Novembro contra Abril, porque Novembro não foi feito contra Abril.”
Deputados abandonam hemiciclo
André Ventura, como era esperado, fez o discurso mais polémico e que levou alguns deputados do Partido Socialista e dos partidos de esquerda a abandonaram a respetiva bancada no hemiciclo, regressando aos seus lugares, depois de o líder do Chega concluir.
André Ventura, líder do Chega, iniciou o seu discurso dizendo que “Abril ofereceu-nos a liberdade, mas esqueceu-se de criar cidadão”, citando, assim, Ramalho Eanes, a quem dirigiu uma saudação especial.
Após o 25 de Abril, prosseguiu, viveu-se um período de “ocupação de terras, destruição de empresas e de muitos presos políticos”.
“Criaram um país sem rei nem roque, que caminhava para uma ditadura soviética”, acusou. Referiu ainda que “não esquecendo o 25 de Abril, este é o verdadeiro dia da liberdade de Portugal”.
Abordou ainda o tema da imigração, que, segundo o próprio, “destrói o nosso país e retira a nossa identidade”.
“Doa a quem doer”, atirou, o Chega “lutará contra a corrupção”, a grande ameaça atual, acrescentou. Disse também que os soldados que combateram na Guerra Colonial deveriam ser homenageados.