Outubro está a ser um mês repleto de abraços entre Portugal, a Índia e Goa. Filmes, danças e prémios para todos os gostos, bem representativos da atual pujança identitária do mais pequeno estado da Índia. Recorde-se que em 2025 se assinalam os 50 anos do restabelecimento das relações bilaterais entre a Índia e Portugal.
A 20 de Junho do corrente ano iniciou-se o ciclo Goa em Foco: Vozes e Visões Documentais, organizado pela Fundação Oriente – com o trabalho Enviado Especial, de Nalini Elvino Sousa, de 2018 – que se concentra na produção de realizadores e produtores goeses, revelando a diversidade cultural, social e histórica deste território. Através de narrativas visuais densas e multifacetadas, a seleção de documentários propõe uma viagem pelas memórias históricas de Goa, mas também pelo pulsar contemporâneo da sua sociedade, capturando o quotidiano, o sentido de pertença e as profundas transformações sociais e políticas que marcaram as últimas décadas. Há goeses católicos que se dizem
goeses e outros que se consideram indianos. A sua identidade tem de ser vista
em termos mais alargados. A diáspora está a contribuir para isso, ajudando a quebrar a insularidade goesa, muitos dos que saíram vendo-se como parte de uma Índia maior.
Incluído neste Ciclo, no dia 10 de outubro foi exibido o documentário Outra Goa, realizado por Rosa Maria Perez, onde se apresenta uma visão que desmistifica a ideia de que este estado da Índia é maioritariamente católico, de língua e cultura portuguesas e, nesta medida, um prolongamento de Portugal na Índia. A Goa contemporânea força-nos a um redimensionamento permanente de expectativas criadas pelos textos e pelos media, convidando-nos a aceitar que a Índia é uma cultura em formação, onde as relações entre indivíduos e grupos são moldadas numa singular atmosfera social. Rosa Maria Perez, antropóloga, inicia o seu documentário retratando a importância, principalmente desde 1961, da necessidade de Goa afirmar a sua identidade, objetivo que se mantém nos tempos de hoje, mesmo entre os jovens. A atmosfera social é captada em entrevistas com gerações que viveram o colonialismo e a transição para a nação indiana, bem como as que vivem a Goa pós-colonial, cujas histórias e memórias permitirão desvendar uma Goa
desconhecida.
Nesta Outra Goa, o hinduísmo coexiste com o catolicismo e o islão, e com eles dialogam, também, práticas que, embora antiquíssimas no território, ainda não foram devidamente identificadas: o budismo e o jainismo. Desta simbiose surgem festivais que sublinham clara mestiçagem religiosa, como a Festividade das sete irmãs, estranheza que também se encontra na própria edificação e funcionamento dos templos, onde se cruzam estruturas e cultos que se entrelaçam.
A ciência, a língua, a culinária e as artes em geral, designadamente a música através do fado, do Mandó e de outras danças populares, como o Fugddi e o Deknni, dão voz a realidades reconhecidas pela Índia e pelo mundo, para os quais goeses célebres contribuíram decisivamente. Como afirma, durante o filme, o artista plástico Subodh Kerkar, pintor, escultor e artista de instalações indiano, fundador do Museu de Arte Contemporânea de Goa “se considerarmos Goa como uma escultura, quem é o escultor? O escultor é o oceano. As ideias vieram do oceano, os alimentos e a religião vieram do
oceano. O oceano é o meio intercontinental de difusão da cultura, que nasceu nas profundezas do oceano”.
A sessão contou com a presença da realizadora e de um momento de dança e música pelo grupo EKVAT, da Casa de Goa. Constituído em 1989, o Ekvat tem como objetivo divulgar a música e danças de Goa. Entre o seu reportório contam-se canções e danças populares, resultante da convivência entre oriente e ocidente, com relevância para o Mandó, considerado o ex-libris da música de Goa, acompanhado de Dulpodam, Dekhnni e rapsódias de Damão e Diu. Numa próxima crónica aprofundaremos a importância do grupo Ekvat para a difusão das tradições musicais de Goa.
“Foi emocionante. Sala cheia, música e dança lindas, também tivemos a dança das Kunbi. E a Maya está uma dançarina de primeira água! E não esqueçam da grande performance da Catarina no dia 25” exclamou, no final, uma amiga que assistiu ao filme e ao espetáculo do Grupo de danças e cantares Ekvat. (Da Catarina, voltaremos “a falar” mais à frente)
Tratou-se de uma significativa demonstração da identidade goesa, onde as imagens lembraram a presença milenar indiana, portuguesa e de outras influências, e o Ekvat, através da música, sublinhou o multifacetado abraço cultural resultante da presença portuguesa.
Mas voltemos a outubro de 2025. Quem puder, não perca a atuação da Companhia de Dança Tarikavalli, num espetáculo denominado Esculpir Mitologias a Dançar Esculturas, um tributo à riqueza da dança clássica indiana Bharatanatyam, à sua ligação aos mitos hindus e poderosa iconografia, também organizado pela Fundação Oriente. Neste espectáculo, os deuses dançam num universo de movimentos, ritmos, sons e emoção. Esculpir
mitologias a dançar esculturas constitui-se como um tributo à riqueza única do Bharatanatyam, ao seu elo sagrado com os mitos hindus e à sua poderosa iconografia.
Cada dança evoca grandes figuras do panteão hindu: Nataraja, Senhor da Dança Cósmica; Krishna, o Amante Divino e as múltiplas faces da Grande Deusa, símbolo do princípio feminino do Divino. É um espectáculo em que os deuses dançam e se divertem num universo de movimentos, ritmos, sons e emoção. O público é convidado a transcender o tempo e o espaço, numa experiência em que a beleza e a espiritualidade se fundem e que é, ao mesmo tempo, uma homenagem, uma celebração e uma descoberta. Neste
grupo também dançará a Catarina Guerra! Finalmente, lembro que a 11 de outubro, na 9.ª Gala dos Prémios Lusofonia, o escritor e professor Valentino Viegas foi homenageado com o Prémio Educação, onde também atuou o Grupo Suryá, grupo de danças e cantares
que tem disseminado a identidade goesa nas suas diversas vertentes. Nasceu e cresceu em Pangim, Goa, a 14 de fevereiro de 1942, afirmando com orgulho ser “um privilegiado por poder afirmar que pertence à última geração de portugueses que nasceram no antigo Estado Português da Índia”. Estudou em Lisboa e Moçambique, fez a guerra colonial em Angola e vive em Lisboa.
Deste importante evento já dei devida notícia no jornal ORegiões. Esperemos que meses assim se repitam e que Goa e a Índia continuem vivas na cena cultural lisboeta e no resto do país