Manuel Marques Lavado sublimou nas suas quadras uma especial aptidão do seu torrão natal. Oriundo de uma antiga família de lavradores, o poeta sabia do que falava, quando se referiu ao Ladoeiro como “terra agrícola”. Ali estabelecidos, porventura, ainda antes do povoamento ocorrido em meados do século XVI, as armas que permitiram aos seus antepassados consolidar a sua presença durante sucessivas gerações, não foram as espadas, que degolam, mas as charruas, que penetram fundo.
E foi justamente com o ferro côncavo da charrua que os antigos lavradores do Ladoeiro rasgaram na gleba leivas abundantes, e receberam dela todos os favores que a terra fértil dá. Uma dessas primícias terá sido a melancia, cuja cultura em terras do Ladoeiro (noutro tempo chamado o Esporão) está documentada, pelo menos, desde o início do século XVIII. Com efeito, são numerosos os testemunhos escritos, existentes em documentação de arquivo de proveniência diversa, que se referem à existência da cultura da melancia no Ladoeiro, a par de outras, para cujo desenvolvimento era essencial a abundância de água, tais como os melões, feijões e outros legumes.
Isto porque, para além de possuir no seu termo copiosas nascentes e fontes, dentro do seu perímetro urbano o Ladoeiro também era atravessado por dois ribeiros, que viriam porém a ser completamente tapados, já no século XX, fruto de duvidosas políticas urbanísticas, que privaram esta terra de traços tão peculiares que a caracterizavam, e que hoje a diferenciariam de muitas outras. Foi também no século XX que a cultura da melancia sofreu um incremento sem paralelo, em toda a história do Ladoeiro, graças à construção da obra de fomento agrícola da Barragem Marechal Carmona e do respectivo perímetro hídrico da Campina de Idanha-a-Nova.
Cultura de ciclo curto, relativamente pouco exigente, fácil de instalar e sem grande demanda de mão de obra, a melancia do Ladoeiro ganhou então fama em toda a região de Castelo Branco, e permitiu a muitos agricultores do Ladoeiro, beneficiários da água do regadio, encontrar um complemento rentável para a sua actividade agrícola. Com a instalação da agroindústria na campina do Ladoeiro, na segunda metade do século XX, sobretudo com a introdução do tomate, primeiro, e do tabaco, depois, culturas que reclamaram cada vez mais terra e mais gente disponível para os seus muitos e dilatados granjeios, a melancia começa a entrar em declínio, e no início do século XXI era já poucos os agricultores que lhe reservavam algumas áreas marginais das suas terras aráveis.
Data desse período a criação do Festival da Melancia, em cuja génese estive pessoalmente envolvido, juntamente com Maria Proença, e cujo objectivo foi promover e valorizar o producto, na expectativa de que tal pudesse fazer recrudescer o seu cultivo. Promovido pela Câmara Municipal de Idanha-a-Nova, durante o consulado de Álvaro Rocha, também ele agricultor e por isso mais sensível ao declínio da cultura, não obstante a sua importância histórica e real, o Festival da Melancia inseria-se numa política de apoio à agricultura e aos agricultores, que o Município de Idanha-a-Nova quis implementar, e que contemplou a criação das Hortas de Idanha, projecto entretanto abandonado.
Não obstante a “falência” das Hortas de Idanha, graças à iniciativa de um punhado de agricultores, animados por aquelas políticas de fomento da autarquia, a Melancia do Ladoeiro é hoje um producto diferenciado e reconhecido pelo mercado, prova de que investir na história e nas tradições locais pode ser uma aposta ganha, quando se querem promover os territórios e os seus productos de excelência.