O Governo aprovou esta sexta-feira, em Conselho de Ministros, o lançamento do processo para PPP nos hospitais de Braga, Vila Franca de Xira, Loures, Amadora-Sintra e Garcia de Orta (Almada-Seixal) e vai avançar agora com a preparação dos respetivos cadernos de encargos. No entanto, este anúncio levanta “muitas incertezas”, tanto a nível de autarcas (com uns a aplaudir e outros a contestar) como a nível dos administradores hospitalares e médicos, tendo em conta a atual organização do Serviço Nacional de Saúde (SNS).
O Governo aprovou esta sexta-feira o lançamento do processo para PPP nos hospitais de Braga, Vila Franca de Xira, Loures, Amadora-Sintra e Garcia de Orta (Almada-Seixal) e vai avançar agora com a preparação dos respetivos cadernos de encargos. No entanto, esta medida que, à partida, parece “estar cheia de boas intenções”, está a dividir autarcas e a ser contestada pelos administradores hospitalares e pelos médicos.
Enquanto a Federação Nacional dos Médicos (FNAM) afirma que modelo é “ineficiente e desequilibrado”, a Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares (APAH) diz que “há muitas incertezas e não sabemos exatamente como é que essa proposta vai ser construída porque o contexto é muito diferente daquele que tínhamos há 20 anos”.
A FNAM é muita crítica em relação a esta medida, considerando que a opção escolhida por Ana Paula Martins é “ineficiente” e que coloca em causa os serviços de urgências ao entregá-los a entidades interessadas no “lucro”.
À TSF, a presidente da FNAM, Joana Bordalo e Sá, afirmou que os modelos de PPP são “ineficientes e desequilibrados”, recordando uma consideração semelhante pelo Tribunal de Contas. “Se no passado construíram hospitais de raiz em zonas carenciadas, no presente, o que a população corre o risco de ver é gestão de instituições que sempre foram públicas, que são nossas, entregues a entidades privadas, cujo objetivo principal é apenas o lucro”, salienta a dirigente sindical.
Já o presidente da Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares (APAH), Xavier Barreto, recorda que, aquando da primeira leva de PPP, há mais 20 de anos, foi concessionada a gestão de hospitais, mas o SNS está agora organizado em Unidades Locais de Saúde (ULS), que gerem os hospitais e os centros de saúde de uma determinada área.
Competências dos municípios
“Portanto, uma das perguntas é se a intenção do Governo é concessionar a gestão das ULS, ou seja, hospitais e centros de saúde, ou não”, questionou o presidente da APAH, salientando que as atuais Unidades de Saúde Familiar tipo B têm contratos que lhes garantem autonomia e incentivos aos seus profissionais.
Xavier Barreto lembra que, nos últimos anos, os municípios assumiram competências na área da saúde na gestão de edifícios e mesmo de alguns profissionais. “O que é que está a ser proposto? É que os municípios nestas regiões deixem de ter essa competência de gerir esses recursos ou não?”,
interroga Xavier Barreto, para quem a “questão central” deste processo é o que vai estar contemplado nos cadernos de encargos.
O que pensam os autarcas
Mas, em termos de autarquias, as posições dividem-se. Uns são totalmente a favor, outros ficam-se pelo “nim” e alguns são totalmente contra.
Por exemplo, a socialista Inês Medeiros, presidente da Câmara de Almada, não entende se a proposta governamental de uma parceria público-privada para o Hospital Garcia de Orta é para ser levada a sério.
“Eu nem sei se esta proposta é para levar a sério. Não sei se isto é só um anúncio neste momento muito particular da crise política que estamos a viver ou se é para levar a sério”, disse Inês de Medeiros. “Isto é desestabilização, sobre desestabilização, porque, sinceramente, eu acho que isto é uma corrida aos anúncios”, disse.
Já o presidente da Câmara de Loures, Ricardo Leão, também socialista, fica-se por um “nim”, mostrando-se surpreendido com o momento escolhido pelo Governo para anunciar a retoma das parcerias público-privadas (PPP) em hospitais, considerando-o inesperado dado o atual cenário de crise política.
O socialista assume que o hospital Beatriz Ângelo funcionava melhor quando era uma PPP, mas defende que a solução devia passar por mantê-lo público, com mais autonomia para a administração.
“Todos os dados estatísticos apontam, quer do ponto de vista de indícios de satisfação dos utentes, todas as estatísticas que associam o Hospital Beatriz Ângelo, quando era parceria público-privada, garantiam um melhor serviço médico”, referiu Ricardo Leão, em entrevista à SIC Notícias, defendendo que a ideologia não deve sobrepor-se às necessidades práticas, mostrando-se apologista “sempre da empresa pública” e da “liberdade aos administradores hospitalares”.
Por seu turno, o presidente socialista da Câmara de Viana do Castelo já se manifestou contra a reposição da parceria público-privada (PPP) do hospital de Braga, considerando que “não garante, transversal e integralmente, o acesso universal à saúde”.
Luís Nobre afirma que as PPP “excluem as situações e tratamentos mais graves, mais complexas, mais longos ou internamentos hospitalares, como por exemplo, patologias e tratamentos da sida, hepatite, ou do cancro”.
Para o presidente da Câmara da capital do Alto Minho, as PPP não garantem a sustentabilidade do sistema de saúde e “têm como principal objetivo a otimização do lucro, sacrificando, sempre, o interesse do doente às razões económicas”.
“A saúde nunca pode ser interpretada como um custo para o cidadão, mas sim como um investimento. O setor privado gere as PPP tem com principal objetivo da otimização do lucro, sacrificando o interesse do doente às razões económicas”, sustentou.
Para o autarca socialista, “só há um caminho para proteger e fortalecer o Serviço Nacional de Saúde (SNS) que é o financiamento adequado e a valorização dos profissionais de saúde”.
Uma posição diametralmente oposta é assumida pelo presidente social-democrata da Câmara de Braga que aplaude esta decisão do Governo de repor a parceria público-privada (PPP) do hospital da cidade, sublinhando que o modelo implementado durante 10 anos redundou em padrões de excelência e eficiência económico-financeira.
Em declarações à Lusa, Ricardo Rio defendeu que, numa próxima PPP, será preciso “afinar” os cadernos de encargos e corrigir algumas falhas registadas na anterior. “Houve, por exemplo, algumas assimetrias nas condições para diferentes classes profissionais e é preciso garantir universalidade”, referiu.
Para o autarca de Braga, a reposição das PPP é o cumprimento de uma promessa eleitoral da Aliança Democrática. “Sempre defendi o modelo das PPP e, por isso, vejo com bons olhos que o Hospital de Braga regresse a ele. A anterior experiência revelou padrões de excelência de serviço e eficiência económico-financeira, com uma poupança objetiva para o Estado”, esclarece Ricardo Rio.
Só Cascais tem PPP
Atualmente, o hospital de Cascais é o único que funciona em regime PPP, após a reversão para a esfera pública dos hospitais de Braga (janeiro de 2019), de Vila Franca de Xira (junho de 2021) e de Loures (janeiro de 2022).
De acordo com o Governo, o critério para a escolha dos cinco hospitais que o executivo pretende que passem para o regime de PPP assenta “numa identificação do potencial”, com base numa avaliação técnica e num “histórico sustentado” de avaliações do Tribunal de Contas e da Entidade Reguladora da Saúde.
Segundo um relatório do Tribunal de Contas (TdC), divulgado em maio de 2021, as poupanças estimadas da gestão clínica privada dos hospitais de Cascais, Braga, Vila Franca de Xira e Loures atingiram cerca de 203 milhões de euros.
O TdC concluiu ainda que estas parcerias foram “genericamente mais eficientes” do que a média dos hospitais de gestão pública comparáveis e estiveram “alinhadas com o desempenho médio do seu grupo de referência quanto aos indicadores de qualidade, eficácia e acesso”.