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Vida: É ASSIM…

É ASSIM A VIDA

Levantei-me cedo. Está um frio gélido, humidade a cortar os ossos. Ainda está escuro, mas já perscruto o iniciar da aurora, embalada pelo chilrear dos pássaros e pelo cacarejar das galinhas, sons que interrompem esse luxo chamado silêncio. É assim a vida!

Acordo numa vila do concelho de Torres Vedras. Turcifal, “vila de encantos”, como é conhecida. Esta vivenda e o quintal perderam, há poucas semanas, o seu dono. O meu pai. Que foi o mentor e grande dinamizador da elevação desta terra de gente trabalhadora e honrada a vila. Pelo seu riquíssimo património. Pelos seus encantos. Uma sensação estranha, agridoce, invade-me de súbito: como se esta vila também fosse um pouco minha e, por outro lado, o sentir que não pertencemos, no fundo, a nada nem a mais ninguém do que a nós mesmos na infinitude do universo, grão de terra da terra grande, partícula ínfima do todo celestial.

Há que sair de casa o quanto antes. Espera-me tarefa hercúlea: continuar a desocupar, limpar e varrer a oficina de restauro que o meu pai ocupou durante décadas. A pequena oficina das Velharias do Turcifal, extintas pela passagem ao Grande Oriente do seu proprietário. O meu pai, falecido há poucas semanas…

É assim a vida.

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Os primeiros raios de sol ajudam a derreter o gelo instalado no tejadilho e nos vidros molhados do carro. Há ainda tempo para um café rápido no Hélio, a caminho da oficina ainda meio cheia de pequenos móveis, vidros, ceras, tintas e vernizes, papéis, quilos e quilos de papéis, apetrechos de carpintaria e ferramentas de vária ordem. E com o lixo acumulado… Tanto lixo. E pó. Muito pó.

Inicio, daqui a alguns minutos, o vaivém de idas e regressos aos caixotes do lixo. Para depositar tralha, lixo, pó. A maior foi tirada pelos funcionários diligentes da Junta de Freguesia, por duas vezes, com a ajuda do trator disponibilizado para o efeito.

Antes da última vinda dos contentores e depósitos do lixo, reparo, do outro lado da estrada, num homem precocemente envelhecido, ar sofrido e doente, olhos marejados amparados numa bengala já gasta. Atravessa, a custo, a estrada para me cumprimentar e expressar-me condolências pela morte do meu pai. Agradeci-lhe, sensibilizado. Dei-lhe uma recordação do meu pai, que eu tinha guardado para mim no carro.

– Sabe, penso muitas vezes no seu pai. Às vezes, à noite, dou comigo a pensar nele. Era muito meu amigo (nisto, lágrimas escorrem-lhe pelo rosto). Se não fosse ele, eu não tinha uma reforma, não tinha dinheiro para nada. Foi ele quem me tratou de tudo. Foi comigo a Torres (Vedras) e lá me conseguiu ajudar. Que posso eu dizer dele? O que posso pensar dele? Só bem. Muito bem. O seu pai foi um grande homem, ajudava toda a gente! – sentenciou com comoção.

Agradeci-lhe as palavras, enternecido. Despedi-me do senhor. E voltei, apressado, a casa dos meus pais, em teletrabalho, para fazer o meu marketing.

É assim a vida.

a vida do nuno
Nuno Trinta Sá

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Nuno Trinta Sa
Nuno Trinta Sa
Escreve artigos sobre diversas temáticas para o jornal ORegiões.

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