A inteligência artificial volta a ser tema do Papa Francisco, desta vez na sua Mensagem para o próximo Dia Mundial das Comunicações Sociais, em maio. E porquê de novo e a este propósito? Porque ela está “a modificar, de forma radical, também a informação e a comunicação e, através delas, algumas bases da convivência civil”
Sendo contra “as leituras catastróficas” e os seus “efeitos paralisadores”, o Papa defende que “o nosso posto é no devir”, mas “permanecendo sensíveis a tudo o que nele houver de destrutivo e não-humano”. Para ele, só um olhar espiritual, só uma sabedoria do coração conseguem “ler e interpretar a novidade do nosso tempo e descobrir o caminho para uma comunicação plenamente humana”. É esta sabedoria do coração que dá sabor à vida e às coisas da vida e do mundo, que “permite combinar o todo com as partes, as decisões com as suas consequências, as grandezas com as fragilidades, o passado com o futuro, o eu com o nós”. E esta sabedoria deixa-se encontrar, deixa-se ver, “antecipa-se a quem a deseja e vai à procura de quem é digno dela”. Mais: ela está “com quem aceita conselho, com quem tem um coração dócil, um coração que escuta”. Ela permite “ver as coisas com os olhos de Deus, compreender as interligações, as situações, os acontecimentos e descobrir o seu sentido”, diz Francisco.
Não é a sabedoria das máquinas, nem o homem deve entrar por um certo “delírio de omnipotência, crendo-se sujeito totalmente autónomo e autorreferencial, separado de toda a ligação social e esquecido da sua condição de criatura”. De facto, tudo pode ser contaminado pela tentação de o homem se querer “tornar como Deus sem Deus, isto é, a tentação de querer conquistar com as próprias forças aquilo que deveria, pelo contrário, acolher como dom de Deus e viver na relação com os outros”.
Os avanços tecnológicos manifestam a admirável capacidade da inteligência e criatividade humanas, mas todos desejamos que eles sejam mais uma oportunidade do que um perigo de consequências imprevisíveis. Francisco refere que já na primeira onda de inteligência artificial, a das redes sociais, “compreendemos a sua ambivalência, constatando a par das oportunidades também os riscos e as patologias. O segundo nível de inteligências artificiais geradoras, marca, indiscutivelmente, um salto qualitativo”, mas é preciso saber como “contornar os efeitos danosos, discriminadores e socialmente injustos dos sistemas de inteligência artificial e contrariar a sua utilização para a redução do pluralismo, a polarização da opinião pública ou a construção do pensamento único”.
Sendo chamados a crescer juntos, em humanidade e como humanidade, afirma o Papa, o desafio que temos diante de nós “é realizar um salto de qualidade para estarmos à altura duma sociedade complexa, multiétnica, pluralista, multirreligiosa e multicultural”. As grandes possibilidades que os novos instrumentos de comunicação e conhecimento favorecem para fazer o bem, “são acompanhadas pelo risco de que tudo se transforme num cálculo abstrato que reduz as pessoas a dados, o pensamento a um esquema, a experiência a um caso, o bem ao lucro, com o risco sobretudo de que se acabe por negar a singularidade de cada pessoa e da sua história, dissolvendo a realidade concreta numa série de dados estatísticos”. A boa informação “implica o corpo, o situar-se na realidade; pede para correlacionar não apenas dados, mas experiências; exige o rosto, o olhar, a compaixão e ainda a partilha”. A Inteligência Artificial dará um contributo ímpar ao jornalismo local “se o apoiar; se valorizar o profissionalismo da comunicação, responsabilizando cada comunicador; se devolver a cada ser humano o papel de sujeito, com capacidade crítica, da própria comunicação”.
E eis as muitas questões que a Mensagem coloca: “Como tutelar o profissionalismo e a dignidade dos trabalhadores no campo da comunicação e da informação, juntamente com a dos utentes em todo o mundo? Como garantir a interoperabilidade das plataformas? Como fazer com que as empresas que desenvolvem plataformas digitais assumam as suas responsabilidades relativamente ao que divulgam daí tirando os seus lucros, de forma análoga ao que acontece com os editores dos meios de comunicação tradicionais? Como tornar mais transparentes os critérios subjacentes aos algoritmos de indexação e desindexação e aos motores de pesquisa, capazes de exaltar ou cancelar pessoas e opiniões, histórias e culturas? Como garantir a transparência dos processos de informação? Como tornar evidente a paternidade dos escritos e rastreáveis as fontes, evitando o para-vento do anonimato? Como deixar claro se uma imagem ou um vídeo retrata um acontecimento ou o simula? Como evitar que as fontes se reduzam a uma só, a um pensamento único elaborado algoritmicamente? E, ao contrário, como promover um ambiente adequado para salvaguardar o pluralismo e representar a complexidade da realidade? Como podemos tornar sustentável este instrumento poderoso, caro e extremamente energívoro? Como podemos torná-lo acessível também aos países em vias de desenvolvimento?”