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Com Sapatos Usados

Num país onde a política local tantas vezes se confunde com teatro amador, as comemorações do 25 de Abril em Castelo Branco foram, este ano, um triste espelho da vaidade e da mediocridade institucional. Não se celebrou a liberdade, celebrou-se o ego. E quem brilhou não foi a memória da Revolução, mas sim o brilho desnecessário de troféus e autoelogios.

O Presidente da Assembleia Municipal, Jorge Neves, conseguiu o feito insólito de se homenagear a si próprio. Um troféu entregue com pompa e circunstância – não por feitos de relevância nacional, nem por contributo extraordinário para o concelho, mas simplesmente porque sim. Um gesto que, se não fosse real, pareceria saído de uma sátira mal escrita. Faltou apenas o espelho no palco para completar o retrato: Jorge Neves a condecorar Jorge Neves, sob o olhar cúmplice do Presidente da Câmara, Leopoldo Rodrigues.

Mas o maior insulto à memória da democracia não foi o troféu. Foi a indiferença com que trataram Joaquim Morão, antigo Presidente da Câmara e figura incontornável da política albicastrense. Quer se aprecie ou critique o seu legado, é inegável que foi ele quem desenhou grande parte do Castelo Branco que hoje conhecemos. E no entanto, naquela cerimónia, foi ignorado como se fosse uma nota de rodapé na história local. Faltou-lhe o lugar de honra que a decência e a memória lhe deveriam ter garantido.

É nesta comparação que tudo se revela. Enquanto o Papa Francisco – nesse mesmo dia – era lembrado pelo seu desejo humilde de ser sepultado com os sapatos do dia-a-dia, símbolo do serviço e da caminhada feita, em Castelo Branco assistíamos a políticos de sola limpa, mas sem pegadas. Sapatos reluzentes, mas sem história. O contraste é gritante: de um lado, um homem de fé que se quis lembrar pelos caminhos que percorreu; do outro, autarcas que não saíram do pedestal do ego, a premiar-se por trilhos que nunca souberam desbravar.

A cerimónia do 25 de Abril foi, como já antes referi, a mais cinzenta de que há memória. Um evento feito em frete, sem alma, frequentado por quem lá esteve por obrigação e protagonizado por uma liderança camarária que parece cada vez mais alheada da realidade e das suas responsabilidades. A política de Leopoldo Rodrigues tem-se revelado uma desilusão permanente: sem visão, sem pulso, sem rasgo. Um presidente que parece perdido no cargo, mais preocupado com fotografias e palmadinhas nas costas do que com trabalho sério e consequente.

É triste que a data da liberdade seja usada para alimentar vaidades pessoais. É preocupante que, em vez de honrar os valores de Abril, se promova a amnésia institucional e o revisionismo local. E é revoltante que, enquanto se desvaloriza quem realmente serviu o concelho como um verdadeiro Presidente de câmara, se incense quem apenas serve a si próprio.

Há líderes que deixam marca. Outros deixam apenas marca nos próprios sapatos. E enquanto uns se orgulham de sapatos usados, gastos de tanto caminhar ao lado do povo, há quem prefira os de verniz, comprados com o orçamento da vaidade.

Castelo Branco merecia melhor. Abril também.

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Fernando Jesus Pires
Fernando Jesus Pireshttps://oregioes.pt/fotojornalista-fernando-pires-jesus/
Jornalista há 35 anos, trabalhou como enviado especial em Macau, República Popular da China, Tailândia, Taiwan, Hong Kong, Coréia do Sul e Paralelo 38, Espanha, Andorra, França, Marrocos, Argélia, Sahara e Mauritânia.

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