Dói, dói, dói, dói todos os dias e dói ainda mais por saber que, amanhã, a dor vai continuar a aparecer com mais violência.
Há vários meses que isso acontece, dia após dia, sem nenhuma interrupção, funciona melhor do que a mais apurada máquina do relógio suíço, permanecendo certinha e omnipresente como o Sol flamejante que nasce diariamente e ilumina a bela Terra que habitamos.
Quer queiramos quer não, todos os dias, inexoravelmente, a dor entra pela casa dentro, sem bater à porta nem pedir licença, penetra sorrateiramente na caixa televisiva e nos demais meios de comunicação social, permanecendo no seu interior durante o dia inteiro, para se tornar clara e visível sempre que nos apetecer analisar e examinar, ameaçando regressar, no dia seguinte, com novas variantes e terríveis ondas de sofrimento.
Se nos primeiros dias observámos as bombas a cair, em catadupa, sobre a martirizada Faixa de Gaza, a destruir edifícios habitacionais, campos de refugiados, escolas e hospitais, nos dias seguintes, assistimos ao espectáculo deprimente, vendo velhos, mulheres e crianças em fuga desordenada; nos subsequentes, quarteirões inteiros reduzidos a cinzas, com corpos soterrados nos escombros para sempre, catraios gravemente feridos, a serem transportados para o hospital, sem dispor do mínimo de recursos para os tratar.
Tudo isto acontece em resposta ao brutal ataque desencadeado por Hamas contra Israel, em 7 de Outubro de 2023, praticando actos bárbaros, matando mais de 350 soldados e polícias e mais de 1000 civis. Nele capturam também cerca de 200 civis e soldados, incluindo cerca de 30 crianças, levando-os como reféns para a Faixa de Gaza.
Durante essa malfadada incursão, o Hamas e os seus aliados cometeram crimes ignóbeis e praticaram agressões sexuais contra civis, incluindo crianças.
Testemunhos da época garantem-nos que, durante a 2.ª Guerra Mundial, quando fugitivos dos campos de concentração nazis divulgavam que eles estavam a praticar o genocídio sistemático da população judaica, exterminando a sua população em câmaras de gás, poucos ou quase ninguém acreditava, porque era inconcebível que tamanha monstruosidade pudesse ser praticada por seres humanos.
A verdade é que mais de seis milhões de judeus foram mortos apenas e tão-só por terem cometido o hediondo crime de terem nascido judeus. Esse crime foi considerado condição necessária e suficiente para determinar a sua extinção, porque assim o determinara Hitler, o detentor da força e do poder na Alemanha.
Muitos judeus, autênticos cadáveres ambulantes, aquando da sua libertação dos campos de concentração, contaram as atrocidades cometidas pelos nazis e deram o seu extraordinário contributo para a criação do Estado de Israel.
Depois de terem passado por tantas agruras, dói-me só de pensar que os descendentes daqueles sobreviventes apoiem a decisão do actual governo de Benjamin Netanyahu, de querer expulsar os palestinianos e ocupar a terra onde nasceram e cresceram.
Dói-me profundamente quando verifico que o actual detentor do poder em Israel, assim como os seus cúmplices e apoiantes, utiliza a fome, como arma poderosa para forçar a população a abandonar Gaza, e mobiliza o exército para impedir as organizações internacionais de entregarem a ajuda humanitária, deixando aqueles habitantes sem alimentos e indispensáveis medicamentos.
Esses detentores do poder e seus apaniguados, que nunca devem ser confundidos com os restantes judeus, decididos a eliminar totalmente o Hamas de Gaza e a libertar os reféns, não se importam de derrubar prédios inteiros, matando crianças inocentes, só porque foram informados que a sombra de algum deles por lá teria acabado de passar. Aqui, como aconteceu outrora, é doloroso verificar, mais uma vez, na terrível História da Humanidade, que os fins justificam os meios e a razão da força impera sobre a força da razão. Dói-me, enquanto escrevo estas linhas, quando observo crianças andrajosas a rapar o tacho em Gaza, em busca de um grão de arroz, dói-me, dói-me muito, porque vejo ali projectados os rostos dos meus queridos netos que, felizmente, vivem na Europa e estão bem na vida.
Dói-me ainda mais quando o governo do meu País e o senhor Presidente da República dizem palavras de circunstâncias e parecem quase indiferentes a esta tragédia humana.
Se a Alemanha, que continua a vender armas a Israel e tem a consciência manchada de sangue em relação aos judeus, necessita de ter o máximo cuidado ao pronunciar-se sobre esse genocídio, praticado em massa, a céu aberto e à vista até dos mais cegos, dói-me por não compreender como é que as outras nações europeias e, em especial, as do mundo ocidental, fazem de conta que nada vêem e consideram-se a si próprias como países civilizados.
Se outras armas não possuirmos, tenhamos pelo menos a coragem de bater o pé e denunciar aquilo que faz doer a alma e o coração até dos mais insensíveis.
Os judeus que pereceram no holocausto merecem o respeito da nossa parte!
Já que não podemos ressuscitá-los, ao menos lutemos para que a mensagem de Hitler seja banida para sempre.
Valentino Viegas
Historiador e escritor