Macron perdeu as eleições Europeias. Os liberais do Renascimento ficaram em segundo lugar, mas tão distantes da extrema-direita do Reagrupamento Nacional (RN) de Marine Le Pen que a derrota foi lida como uma humilhação. E por isso, pela primeira vez desde 1997, o Presidente francês resolveu (no próprio dia, minutos após ser conhecida a derrota) dissolver da Assembleia Nacional e convocar eleições nacionais antecipadas — as próximas eleições francesas só estavam previstas para 2027.
A decisão do Presidente francês pode, no entanto, vir a ter um efeito boomerang e levar a que a extrema-direita vença as próximas eleições e eleja o novo primeiro-ministro do país. Em Bruxelas teme-se a paralisia, não só de um dos principais países da União Europeia, mas da própria UE em matérias-chave como o apoio à Ucrânia. Todas as sirenes tocam no final da campanha eleitoral francesa.
As eleições legislativas antecipadas em França são uma das mais importantes das últimas décadas, tanto para o país como para o resto da Europa. No espaço de duas semanas, França poderá ter um governo de extrema-esquerda ou de extrema-direita, ou cair num impasse político se nenhum bloco obtiver a maioria, deixando Paris paralisada à medida que os problemas aumentam a nível interno e externo.
Perante este cenário, os mercados financeiros europeus preparam-se para a turbulência com a aproximação das eleições legislativas em França. Sonia Renoult, estratega de taxas do ABN Amro, alerta para a potencial instabilidade orçamental e para uma trajetória insustentável da dívida francesa.
Os resultados das sondagens sugerem uma potencial segunda volta entre as coligações de extrema-direita e de extrema-esquerda, potencialmente marginalizando os partidos centristas de Macron.
As últimas sondagens indicam que o Rassemblement National pode ter entre 260 e 295 lugares, sendo necessários 289 para atingir a maioria absoluta. Nova Frente Popular, coligação de esquerda, deverá ser a segunda força mais votada. Partido do presidente Macron ficará em terceiro.
As sondagens sugerem que o Rassemblement National (RN), reforçado pelo bloco de dissidentes liderados por Eric Ciotti dos Republicanos, poderá atingir os 36%, seguido da Nova Frente Popular, coligação de esquerda que envolve socialistas, comunistas ecologistas e o França Insubmissa, que pode chegar aos 29% no melhor cenário.
O partido liberal do presidente Emmanuel Macron surge em terceiro lugar, conseguindo granjear entre 19,5 e 21% dos votos dos franceses. Para alcançar a maioria absoluta, os partidos precisam de ter, no mínimo, 289 lugares.
O RN poderá ter entre 260 e 295 lugares, aparecendo depois a Nova Frente Popular, que alcança entre 155 e 175 assentos. O campo presidencial oscila entre os 85 e os 105 mandatos, enquanto a direita, concentrada nos Republicanos, deverá obter entre 30 a 40 lugares.
A extrema-direita tem vindo a alavancar a sua crescente popularidade com base no sentimento de insegurança dos franceses. As forças políticas estão profundamente polarizadas e poderá ser difícil encontrar qualquer forma de cooperação parlamentar. Os liberais do partido presidencial no poder parecem estar a apaziguar o tom do debate político.
“Também me propus a este objetivo. Que consigamos ter uma democracia, uma Assembleia Nacional – que seja talvez mais viva, menos brutal. Será bom, penso eu, para o debate público e para os franceses”, salientou Gabriel Attal, primeiro-ministro francês.
As perspectivas de instabilidade, de angústia social e de motins estão a motivar os franceses a irem votar. De acordo com as sondagens, a afluência às urnas será maior do que no passado.
“Ele ou ela [o candidato a primeiro-ministro] será aquele que permitirá a união de toda a esquerda e dos ambientalistas. Porque precisamos, primeiro, de reunir esta maioria e, depois, de reunir os franceses”, destaca Olivier Faure, da Nova Frente Popular.
O presidente francês Emmanuel Macron, liberal, terá de liderar o país em coabitação com um primeiro-ministro de extrema-direita ou com alguém do centro-esquerda.
Impacto das eleições na U.E.
O potencial impacto das eleições parlamentares francesas na política orçamental do país e nos mercados europeus de dívida soberana, está a afligir o mercado financeiro, cujas preocupações se centram na possibilidade de políticas orçamentais insustentáveis e de uma postura menos cooperante em relação à União Europeia (UE). Tanto os partidos de extrema-direita como os de extrema-esquerda defendem políticas orçamentais expansionistas e manifestam uma oposição significativa à integração na UE.
As propostas políticas do RN indicam um aumento significativo das despesas públicas em comparação com a atual administração. As principais medidas incluem a indexação das pensões à inflação (27,4 mil milhões de euros), a redução da idade da reforma de 64 para 62 anos (22 mil milhões de euros) e a redução do IVA sobre a energia de 20% para 5,5% (11,3 mil milhões de euros).
No entanto, Sonia Renoult, estratega de taxas do banco holandês ABN AMRO, sublinhou que: “Algumas medidas serão difíceis de implementar devido a restrições constitucionais”, sublinhou Renoult. Além disso, a proposta de redução do IVA sobre a energia entra em conflito com a legislação da UE, que exige uma taxa mínima de 15%.
O RN também pretende reduzir a sua contribuição para o orçamento da UE em 2 mil milhões de euros, uma medida que não deverá ser bem sucedida, mas que poderá causar fricções políticas com a UE. De acordo com as atuais propostas, um governo liderado pelo RN resultaria em défices persistentes superiores a 6% nos próximos anos.
Se um governo liderado pelo NFP chegar ao poder, poderá conduzir a um défice próximo dos 8%, alertou Renoult. “O efeito líquido continuaria a colocar a dívida pública numa trajetória insustentável”, acrescentou o analista.
Na pior das hipóteses, os mercados financeiros, juntamente com a pressão das autoridades europeias, poderiam acelerar o ajuste de contas fiscal da França, segundo o ABN Amro.
Desde o anúncio das eleições antecipadas, as obrigações francesas registaram um desempenho significativamente inferior e o banco holandês prevê que o spread OAT-Bund se mantenha elevado até que haja clareza quanto ao resultado das eleições e às políticas subsequentes.
O fraco desempenho das obrigações francesas levou a que o rendimento das obrigações a 10 anos fosse negociado acima do seu homólogo belga e se alinhasse, ou excedesse ligeiramente, o dos países periféricos, como Portugal, que têm notações de crédito mais baixas.