De tempos em tempos eu sou uma ave, não daquelas que voam baixinho, prefiro lá do alto procurar e admirar lugares distantes, voos rasando desertos e oceanos. Não estou sozinha, o menino sentado na minha garupa de águia feita cavalo, com asas coloridas e largas para melhor planar, acompanha-me na aventura.
Rimos juntos e, perdidos nas alturas, quase a tocar na porta do céu, partilhamos histórias fantásticas, ainda mais espantosas que a realidade. Sei que é perigoso, mas já repetimos a aventura tantas vezes que nos entendemos bem, sinto segurança quando os seus pequenos pés apertam o meu dorso e as mãos envolvem o meu forte pescoço. As outras aves, dos pardais aos gaviões e mesmo os falcões, olham preocupadas para as nossas viagens, temendo que o menino caia, mas sorriem ao deparar com tanta cumplicidade no nosso voo, parecemos colados um ao outro. Admiramos lugares onde só mora a alegria, a amizade e as pessoas valem todas o mesmo, seja qual for a cor da pele. Mas mudamos de rota quando descobrimos terras onde o ódio e a ambição imperam e as guerras e a pobreza não acabam.
A nossa imaginação leva-nos onde quisermos! Até já descobrimos florestas encantadas, montanhas flutuantes, castelos de cristal, oceanos que mudam de cor. Um dia havemos de visitar a Ilha do Tesouro! Um dia, um abutre, que é a ave que sobe mais alto, disse-nos ter ouvido falar numa ilha desconhecida, onde todos são crianças. Também a andorinha do ártico, que é a ave migratória que chega a percorrer mais de 90 mil quilómetros, confirmou esse rumor.
Quando perguntámos ao vento, ele nada respondeu, a chuva encolheu os ombros e mesmo as nuvens fingiram não nos ouvir… que estranho! Só havia uma coisa a fazer: tínhamos de perguntar à coruja, o pássaro amigo que, mesmo sem ir à escola, sabia tudo. Feita a pergunta, o sábio sorriu e, divertido, perguntou se não seria a Terra do Nunca, onde vive o Peter Pan. Claro, só podia ser e fomos comprar o livro na livraria do João, bem no cimo do Pé de Feijão… Sei que um dia partirei para não mais voltar, sozinha, ficando a esperança que o meu companheiro, já mais crescido, também tenha aprendido a tornar-se uma ave à sua escolha. Ele sabe que pode continuar leão, sportinguista, mas também pode voar e levar os irmãos no passeio. Basta usar a imaginação.