A política portuguesa está a desabar, não por falta de soluções, mas pela insistência em manter os mesmos actores num palco que já não consegue esconder as suas fragilidades. Depois de meses de crise política, com o governo colapsado e o país a viver em suspensão, eis que surge a proposta de um Bloco Central, alimentada em círculos fechados e pronunciada até por figuras como Ferro Rodrigues. A ideia de um entendimento entre o PS, o PSD e o CDS, se não for travada, pode ser o ponto de não retorno para a nossa democracia, e só quem está realmente afastado da realidade não vê os perigos que isso acarreta.
A premissa que nos é vendida é a de que um Bloco Central garante estabilidade. Mas, na realidade, o que ele representa é a mais pura falta de respeito pela vontade popular. Se as eleições não resultarem numa maioria governativa clara, não podemos permitir que, por trás dos cortinados, o jogo político se resuma a uma mera partilha de poder entre os mesmos de sempre, como se o povo não tivesse voz ou direito a decidir quem deve governar. A democracia exige que os partidos se apresentem perante os cidadãos, convençam-nos com as suas propostas e, com a legitimidade das urnas, formem um governo que reflita a escolha popular.
No entanto, a proposta de um Bloco Central começa a ser discutida com frequência nas sombras da política, com alguns dos maiores nomes do sistema, como Ferro Rodrigues, a ver essa solução como a mais viável caso os resultados eleitorais não tragam uma maioria clara. Mas que tipo de estabilidade é essa que se baseia numa união entre partidos que, durante anos, se apresentaram como opostos? Que confiança pode o povo ter num sistema político que, em vez de dar voz aos resultados das eleições, tenta a todo custo emendar as escolhas do eleitorado, construindo alianças de conveniência?
Não é essa a democracia pela qual muitos lutaram. Os partidos têm de ganhar as eleições nas urnas, e se, porventura, não conseguirem formar uma maioria governativa, isso não pode ser desculpa para recorrer a um Bloco Central. A proposta, ao contrário do que muitos tentam fazer crer, não é uma solução para a crise política, mas uma expressão da falência do sistema. O Bloco Central será um pacto entre os mesmos de sempre, uma tentativa de perpetuar no poder uma elite que, incapaz de responder às exigências da sociedade, prefere salvar-se a qualquer custo. A verdadeira questão é: quem realmente se beneficia de uma aliança entre adversários históricos que, em nome de uma falsa estabilidade, se fecham no seu próprio mundinho?
Os partidos devem fazer o seu trabalho: apresentar as suas propostas, disputar os votos e, caso não consigam uma maioria, aceitar a responsabilidade das urnas. O povo não vota para ver o seu voto distorcido e a vontade das urnas ignorada. Um Bloco Central não é estabilidade. Ele é uma mentira que apenas serve para proteger interesses partidários que não têm mais nada a oferecer a Portugal. Uma solução construída em acordos obscuros e sem legitimidade popular só conseguirá afastar ainda mais os cidadãos da política.
O maior risco de um Bloco Central é que ele alimenta o descrédito nas instituições. O eleitorado já está cansado de ver soluções tomadas à margem da sua vontade. A política de bastidores não é a resposta à crise que enfrentamos. A verdadeira resposta é dar a palavra ao povo e fazer com que os partidos, em vez de se aliar aos seus adversários, comecem a olhar para as suas propostas com honestidade, com a coragem de mudar, de evoluir e de, finalmente, servir o interesse público.
Se, após as eleições, os partidos não conseguirem formar um governo e escolherem o Bloco Central como uma saída fácil, o sinal será claro: o sistema político falhou. Será a declaração de que a vontade do povo não importa, que o voto não tem valor, e que a política em Portugal está reduzida a uma luta pelo poder a qualquer custo. Nesse cenário, o verdadeiro vencedor será o populismo, que se alimenta da insatisfação e da frustração de quem vê a sua voz desconsiderada. E, infelizmente, já sabemos como essa história termina.
A política portuguesa tem uma oportunidade de ouro: a de quebrar com o ciclo de promessas vazias e de partidos viciados. Mas para isso, precisa de um compromisso genuíno com o povo. O Bloco Central não será esse compromisso. Ele será o último suspiro de uma democracia que, se não for protegida, estará condenada a murchar para dar lugar a uma política vazia e sem rumo.