Temia-se o pior e o pior aconteceu (ver aqui). Na Reunião de Câmara de 7 de janeiro p.p. do município de Abrantes, a maioria absoluta socialista aprovou – com o inesperado, contraditório, desnecessário e incoerente voto favorável do PSD – a abertura do procedimento pré-contratual da empreitada de “Reconversão do Antigo Mercado Municipal de Abrantes em Multiusos”, a qual implica a demolição do edifício histórico do Mercado. Coerentemente com tudo o que sempre afirmou e se comprometeu, o Movimento ALTERNATIVAcom, liderado pelo Vereador Vasco Damas, votou CONTRA.
Mais do que coerência na defesa da causa do Mercado, o voto dos independentes confirma e reforça a sua forte ligação à cidadania abrantina – de onde emergiu, juntando a democracia participativa (ou direta) à representativa – e ao sentimento profundo que as populações nutrem pelo seu Património, nomeadamente pelo seu (quase) secular Mercado Municipal, inaugurado em 1933 como “mercado coberto”. Recorde-se que todos os cabeças-de-lista às Autárquicas 2021 (com exceção de Manuel Valamatos, candidato do PS) comprometeram-se no dia 1 de julho de 2021, em ato público de tomada de posição eleitoral (a que faltou a CDU, mas enviou mensagem), a defender a causa dos Amigos do Mercado de Abrantes.
Esta causa consiste, como é sabido, 1) na preservação integral do edifício original do Mercado, i.e., na rejeição absoluta da sua demolição (mesmo mantendo as fachadas), 2) no regresso do mercado diário ao seu berço histórico, depois de requalificado com valências que gerem sinergias com o Mercado, e 3) na dinamização do Mercado Municipal de Abrantes como polo comercial, cultural e social da cidade, em particular do seu centro histórico. Na acima referida votação, o Vereador Vasco Damas apresentou Declaração de Voto, afirmando que “este não é o edifício nem o local apropriado para construir o espaço Multiusos de que Abrantes precisa para as funções e finalidades previstas”.
Mais afirmou o líder do ALTERNATIVAcom “estar contra a demolição (ainda que disfarçada por eufemismos) do berço histórico do Mercado Municipal de Abrantes, edifício com inquestionável valor patrimonial, memorial e identitário, e sem problemas estruturais, para o qual deve retornar o mercado diário, depois de reabilitado e requalificado, aprovando-se um plano de comunicação e marketing que lhe dê dinamismo e atratividade, que orgulhe a nossa comunidade e responda aos desejos dos nossos cidadãos, dos turistas que nos visitam e dos viajantes que por aqui passam”.
E acrescentou que “a colaboração e o contributo da Ordem dos Arquitetos nesta matéria e para este projeto, designadamente para o Concurso Público Internacional de Conceção para a Elaboração do Projeto de Reconversão do Antigo Mercado Municipal em Multiusos, não foi benéfica para a comunidade abrantina, tendo ignorado completamente o valor patrimonial – com as assinaturas do arquiteto-modernista António Varela e do engenheiro-poeta Jorge de Sena – assim como o contexto social e o sentimento profundo da população relativamente ao edifício histórico do Mercado Municipal de Abrantes”.
Previa-se, há quatro anos, que a construção do novo edifício Multiusos (mais um, a acrescentar ao inapropriado e inútil Multiusos construído e inaugurado em 2015 para albergar o mercado diário e que o povo rejeita, deixando-o “às moscas”) custasse 2,7 milhões de euros (sem IVA), prevendo-se agora que custe 6,7 milhões (provavelmente mais). O projeto de arquitetura foi aprovado pelo executivo municipal socialista sem debate prévio ou a posteriori com os cidadãos e os deputados municipais (ou seja, com ninguém), com base no parecer de um júri de concurso presidido pelo próprio Presidente da Câmara, Manuel Valamatos, o qual escolheu os restantes membros.
O projeto não preserva as fachadas modernistas do edifício histórico do Mercado, nem os painéis de azulejos que encimam os dois portões de entrada, confirmando a sua demolição – de que muitos abrantinos ainda parecem duvidar, apesar de toda a evidência – tal como inscrito no PUA – Plano de Urbanização de Abrantes, aprovado pela maioria PS na sessão de 29-09-2016 da Assembleia Municipal de Abrantes, prevendo-se na OE-3 – Operação Estratégica Integrada do Nó do Mercado a “Demolição e substituição do edifício do Mercado, por edifício-fronteira entre o Vale da Fontinha e a Avenida 25 de abril”.
As declarações de Manuel Valamatos – que estranha e imerecidamente tem beneficiado de “boa imprensa” – têm sido, desde que assumiu a presidência do executivo municipal em fevereiro de 2019, absolutamente contraditórias e incoerentes. É típico do autarca “jogar com triplas”, dizendo (e desdizendo) uma coisa e o seu contrário. Além da manifesta ignorância e incultura estrutural (e por causa dela), recorre frequentemente a uma argumentação tipicamente confusa (confunde “fachadas” com “traça”, p. ex.) demagógica e populista, abusando de eufemismos em discursos marcadamente vulgares, redondos, vazios e estereotipados. Os exemplos seriam mais que muitos.
Há três meses afirmei aqui que Abrantes vive um complicado triângulo desamoroso, envolvendo “um edifício histórico de onde o Mercado nunca devia ter saído, um edifício inapropriado para onde o Mercado nunca devia ter ido, e um projetado edifício, custoso, mal localizado e previsivelmente inútil” que recebeu luz verde para ser construído sobre as ruínas do histórico Mercado. O triângulo desamoroso esfumou-se e o interesse consumou-se. Noutros tempos, este escândalo seria título de primeira página. Agora, é o título que escandaliza na capa de um conhecido semanário regional: “Valamatos salva antigo mercado de Abrantes”. O “perseguidor” virou “salvador” (do Mercado) e “vítima” (dos Amigos do Mercado), e Karpman dá uma volta no túmulo.