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Um postal quiduxo

Há autarcas que procuram ser queridinhos, fazendo-se preferidos por quem neles acredita. Ou ser queriduchos – “quiduxo” será uma informalidade mais apropriada… – que é mais do que queridinho e suscita um imediato e primário apego emocional. É o caso do presidente do executivo municipal de Abrantes, Manuel Valamatos, que, por ocasião do último Natal – último por recente e último antes de eleições autárquicas – enviou aos alunos das escolas públicas do concelho um postal quiduxo de Boas Festas (as cores são lúgubres, mas quem é perfeito ainda que acompanhado por uma agência de comunicação de luxo?), desejando-lhes que “o ano de 2025 seja cheio de alegria, sonhos e conquistas”.

Na mensagem escrita no postal quiduxo, os destinatários são tratados por “Queridos/as alunos/as” e brindados no final com “Um grande abraço!”, formas de tratamento pouco usuais e paternalistas, excessivamente afetivas e familiares para uma comunicação institucional do Estado. Esse paternalismo e familiaridade eram corroborados pela afirmação de que “nesta época tão especial, todos desejamos estar em família e viver momentos de muita alegria”. O autarca “pai de todos” prossegue, afirmando que “vocês são o coração e o futuro de Abrantes. E nós, trabalhamos todos os dias para que o vosso futuro seja brilhante”. Obrigadinho, Senhor Presidente, se não fosse o senhor…!

Ironias à parte, como se atreve o autarca de um município que perde população, poder de compra e qualidade de vida de ano para ano – não conseguindo captar investimento e criar emprego – dizer tal coisa, sabendo que os jovens abrantinos se sentem cada vez mais impelidos a sair do concelho para estudar em cursos gerais que não existem em Abrantes (só funcionam, neste momento, 4 Licenciaturas) e para trabalhar em empregos qualificados, perfeitamente vulgares, que a sua terra não consegue oferecer, em consequência do definhamento socioeconómico e da perda de competitividade face a outros municípios, até da mesma região?

Manuel Valamatos deseja, no seu postal quiduxo de Boas Festas aos alunos das escolas públicas do concelho – obviamente pago pelo Município para promover a imagem do seu Partido-Estado (o PS de Abrantes parece ter a sua Sede no edifício camarário, tal é a profusão de cargos e funções ocupados por autarcas e funcionários ligados ao Partido Socialista, muitos deles integrantes das suas listas eleitorais) – que “cresçam felizes e cheios de sonhos”, ficando-se a pensar se nesses sonhos não aparecerá um cartãozinho cor-de-rosa que os ajude a crescer felizes…

De fora dos destinatários das Boas Festas personalizadas do autarca socialista, ficaram todos os demais membros da comunidade educativa – professores, auxiliares, dirigentes académicos, fornecedores das escolas, funcionários da autarquia, pais e encarregados de educação, etc. E, claro, ficaram também de fora todos os jovens (e menos jovens) envolvidos noutras atividades (p.e. culturais e desportivas) e a generalidade dos trabalhadores de empresas e outras entidades públicas, privadas e do setor social. Sentirão a injusta discriminação e iniquidade de tratamento?

Acontece, também, que na Reunião de Câmara de 17 de setembro de 2024, o autarca havia criticado severamente as forças políticas que destacam e saúdam os feitos excecionais dos estudantes do concelho – nomeadamente o Movimento ALTERNATIVAcom – afirmando que (cito da respetiva Ata) “esses partidos ou movimentos políticos aproveitam eventos escolares e iniciativas juvenis para promover as suas agendas, apropriando-se do trabalho de jovens e de escolas para fazer política”. Como? Diga? A oposição não pode destacar e saudar o melhor que Abrantes tem e faz? Só quem está no poder é que pode fazê-lo, ainda por cima usando os recursos do Estado?!

É conhecido o ditado “faz o que eu digo, não faças o que eu faço”. Quem conhece o comportamento político de Manuel Valamatos sabe bem que este ditado se lhe aplica com precisão, mas importa ir mais longe, caraterizando um padrão atitudinal conhecido por “projeção”, i.e., o autarca acusa injusta e sistematicamente os outros daquilo que ele próprio recorrentemente faz. Deste modo, a compreensão e previsão das atitudes tomadas e a tomar por Valamatos torna-se deveras fácil, bastando tomar nota das suas falaciosas acusações aos adversários políticos.

Querem saber o que ele faz/deseja (ou pretende fazer/desejar)? Escutem o que acusa os outros de fazerem/desejarem, incluindo o que desejou aos alunos: “um Natal cheio de magia, felicidade e sorrisos”. O postal quiduxo de Boas Festas enviado pelo autarca aos alunos das escolas públicas de Abrantes – será para isto que tanto louva a escola pública, já que não conseguiria fazer o mesmo nas privadas? – está aí para o demonstrar. Não tem ética, mas poderá dar votos, ajudando a maioria entrincheirada no poder há quatro décadas a manter o controlo do “castelo”. Por muitos mais Natais, cheios de magia, felicidade e sorrisos.

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José Nascimento
José Nascimento
Tem 68 anos e vive na aldeia de Vale de Zebrinho (Abrantes). Reformado do ensino superior, onde lecionou disciplinas de gestão e psicologia social, dedica o seu tempo à atividade cívica e autárquica. É, também, membro do núcleo executivo do CEHLA – Centro de Estudos de História Local de Abrantes (editor da Revista Zahara). Interessa-se pelas dinâmicas políticas e sociais locais e globais, designadamente pelos processos de participação e decisão democráticos.

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