No Portugal profundo, sempre achei curioso encontrar tantas motorizadas de fabrico português ainda a andar, atados com cordas e cheios de ferrugem, mas
continuando a cumprir o seu papel como meio de transporte de quem não pode
adquirir veículo mais recente. Normalmente são idosos, que encontram nessas
Famel, EFS, Casal e outras marcas a forma de se movimentarem ou mesmo
carregarem material, neste caso usando triciclos motorizados, como se
recuássemos aos anos 50, quando os veículos de tracção animal começaram
gradualmente a ser substituídos. Como refere Aquilino Ribeiro, as motocicletas e
camionetas vieram transformar a vida nas aldeias, tornando um pouco menos
penosa a miséria do “ganha pão”.
![](https://oregioes.pt/wp-content/uploads/2025/02/Passeio-006-1-696x465-1.jpg)
Com a abertura ao comércio externo que o 25 de Abril trouxe, as fábricas portuguesas não se aguentaram e em 1995 fechou a Famel, último bastião duma industria que não soube ou não teve os apoios necessários para se manter, pesem embora todas as lutas dos seus trabalhadores.
Sim, ainda agora se encontram triciclos de vendedores de castanhas ou gelados,
bem como motorizadas em passeios diários ou em deslocações para o trabalho,
com o seu roncar e cheiro a óleo bem característicos.
Tudo começou em 1900, com a fundação União Velocipédica Portuguesa (UVP),
que viria ter um papel relevante no desenvolvimento do motociclismo desportivo em
Portugal. Em 1927 forma-se no Porto o Moto Clube de Portugal e em 1929 o Clube
Motociclista de Portugal. 1934 é data importante, com a inauguração da primeira
fábrica em Portugal de motos, com a marca Nacional, mais tarde SMC, usando
motores JAP 500cc. O Engenheiro mecânico Manuel Barros de Almeida cria em
1947 o pequeno motor Alma, que viria a equipar uma motorizada com o mesmo
nome, distribuída e comercializada em todo o País. Em 1948 a fábrica portuguesa
de bicicletas Vilar, também no Porto, lança uma motorizada equipada com o motor
de origem inglesa Villiers. No ano seguinte a fábrica Pachancho, em Braga, cria os
famosos motores Pachancho de 50cc., que iriam equipar as Vilar, tendo lançado
também alguns anos mais tarde as suas próprias motocicletas.
A partir da década de 50 do século passado e até à entrada de Portugal na CEE,
assistiu-se a um grande desenvolvimento na industria nacional do motociclismo,
tendo nascido inúmeras fábricas tais como: SIS Sachs, Famel, Macal, EFS,
Fundador, Masac, Sirla, Confersil, Anfesa e Forvel, entre outras.
Em 1966 é inaugurada a fábrica de motores e motorizadas Casal (lembram-se da
Casal Boss?), da Metalurgia Casal, que chegou a produzir 300 motores por dia,
vendidos para as mais diversas linhas de montagem nacionais, assim como
exportava para todo o mundo. A Casal Carina, primeira scooter de fabrico
português, é apresentada em 1967, representando um importante passo na senda
da já famosa Vespa, criando novos padrões estéticos e mecânicos. Bem mais tarde,
em 1992, a Famel desenvolve e apresenta duas novas propostas neste segmento, a
Scooter Faxion e a Olimpic 92.
Como referimos, com a entrada de Portugal na CEE, a concorrência de marcas
internacionais e a falta de inovação nos modelos que mantiveram a mesma base
mecânica, levaram a um ciclo descendente dessas empresas, o que acabou por
decretar a falência de quem fabricava todas aquelas históricas peças de arte.
Curiosamente, desde 2007 que o mercado de motorizadas em segunda mão de
fabrico português tem tido apreciável incremento, talvez pelo seu baixo preço poder
alimentar a nostalgia própria aos tempos de crise financeira que então se vivia.
Surgiram então diversas iniciativas, como o lançamento, em 2010, por parte do
então único fabricante de motociclos em Portugal, a empresa AJP Motos S.A., de
uma linha de motos dedicada à banda Xutos & Pontapés.
Nesse mesmo ano, Keith Saunders (67 anos) e o seu cunhado Peter Clarke (71 anos) embarcaram numa aventura de mais de 3.200 km aos comandos de dois velhos triciclos com motor italiano Vespa/Piaggio Ape, que os levou desde o Algarve até Inglaterra, com o
objectivo de realizar uma recolha de fundos em benefício de crianças vítimas de doenças terminais. Merece também menção o caso da Famel, que em 2023 traz para o mercado português uma nova mota elétrica, que ao combinar do motor elétrico com a diversão da condução de uma mota “contribuirá para a sustentabilidade do planeta”, conforme publicidade da altura.
Dezenas de encontros anuais juntam milhares de aficionados por todo o país – como
é o caso das atividades organizadas pelo Clube de Automóveis Antigos de Castelo
Branco; surgem museus particulares e públicos, com o de Felgueiras a albergar a
maior coleção de motas antigas do mundo; vários livros são publicados sobre o
tema, o mais conhecido talvez seja “50 Motas Portuguesas” de Gustavo Pinto;
multiplicam-se blogs e páginas na net diariamente atualizados, Rodas de Viriato é
disso um bom exemplo; publicam-se revistas semanais, como a SóClássicas,
abordando temas como a recuperação, venda e exibição de imagens antigas e
atuais dos veículos que inundavam as estradas portuguesas até finais dos anos 80.
Quem quiser saber mais sobre esta apaixonante recriação histórica, pode contactar
joacorreia@yahoo.com