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A Arte da Música

Música!
Música bela,
arte sem igual
estarás tu, meu ideal,
ao meu alcance,
ao alcance…
dum ente mesquinho
como eu?
Orlando Costa, poema

Carlos Paredes não era mesquinho, mas a sua imagem e comportamento não
indiciava o génio da sua música. Pesadão e tímido, com a guitarra sofria uma
metamorfose, libertava-se, tornava-se pássaro que voava entre sons e trinados
intensos e belos. Nessa arte entregava e exprimia os seus ideais de justiça e
liberdade.

Fiquei a pensar: até que ponto é que a personalidade e o caráter dum músico se
refletem nos temas que interpretam? Alguém bravio e conflituoso mais
provavelmente será inspirado por sons agrestes e rudes?

Abracei o desafio, desde logo consciente de que músicos profissionais (não incluo
amantes do som como “meros” ouvintes) terão, por vezes, de incluir repertório que
não seja totalmente do seu agrado, mas Business is Business…
Escolhi músicos meus amigos e tentei diversificar a forma como praticam a sua arte:
profissão ou mero hobby, como elemento terapêutico (musicoterapia) ou como
recolha e preservação de peças sonoras, construção de instrumentos ou mesmo
afirmação duma cultura, prazer pessoal ou qualquer outra razão.

Começo por quem primeiro respondeu, o Zé Pino, estou certo que todos acham que
escolhi bem, sem dúvida um dos músicos mais representativos da malta de angola
nos anos 60/70. Embora considere a música como mero hobby, para mim sempre
representou um exemplo a seguir em camaradagem e amizade verdadeira, além de
admirar o seu inigualável virtuosismo, sei que concordam comigo. A resposta veio
clara e a encaixar no seu perfil doce e discreto

“Sim, é de facto muito importante para mim! Produz um efeito de limpeza (purga) da
alma. É a minha droga espiritual! A forma de sentir a música sempre foi a mesma, é
coisa séria, faz parte integrante de mim!

Adoro tocar, em qualquer hora do dia ou da noite e em qualquer lugar.
Não conseguiria viver sem Ela! Quando estou a trabalhar em engenharia, tento
sempre ter música em fundo, todo o género de música, desde que seja bem tocada,
da Clássica ao Rock”.

Quanto ao tema que levaria para uma ilha deserta – sim, inclui esse absurdo pedido
no meu “inquérito”- “Reptile” de Eric Clapton
Com perfil diferente aparece o Beto Kalulu, outro músico do tempo de África, com
quem tive vários projetos literários em comum, músico profissional, extrovertido, que
cultiva a sua imagem mista de branco e negro, alma e trunfa africana nascida em
Matozinhos, mantendo raizes hippies. Termina sempre os seus espetáculos
clamando “O AMOR vencerá pela força e alegria da MÚSICA”.

“Eu não sabia se gostava de música ou não, mas sentia algo em mim que me fazia
dançar e, logo a seguir, sentava-me e começava a batucar na mesa do salão de
dança. Um amigo tanto ouviu que me perguntou se eu queria tocar com ele, claro
que sim, até porque na escola estava sempre a ser castigado por estar a bater com
o lápis! E assim comecei a minha Onda de baterista. O som da música devia fazer
calar o barulho da guerra!”

Eu diria que ia escolher Santana, mas apostou em “Imagin” de John Lennon, paz e
amor… na tal ilha deserta, qualquer xilema servirá para mais ritmar a melodia.
Curiosamente, o seu filho Tomé tem uma visão muito mais pragmática e imediatista
da sua profissão, considerando ser um bom exercício físico, um estilo de vida, onde
os músicos são como uma família. Afirma que “ser baterista tem benefícios para o
corpo e possibilita jogar jogos no PC, pois o treino dos membros ajuda a fazer umas
manobras brutais durante os combates ou disputas!”

Escolheu, inesperadamente, o tema “A cantiga do Campo” dos Madredeus, o que
faz realçar que, por vezes, o gosto por uma música pode provir duma situação a ela
associada. Talvez seja o caso, mas não me atrevi a aprofundar a matéria…
Uma das respostas mais interessantes foi a de Enzo D´Aversa, músico e produtor
de renome, habituado a trabalhar com gente conhecida do meio musical português.
Foi um depoimento longo, sentido e profundo, de onde realço a espiritualidade que
o acompanha: é através da música que mais facilmente fala com Deus. Recolhido,
nas suas frequentes meditações introspectivas, encontra tranquilidade e
compreensão, isto é, sabedoria. “Não aprecio música de fundo, ambiental, isso
reduz essa arte a mero figurino, secundariza uma energia que deve ser absorvida
na sua totalidade, descobrindo todos os pormenores e realçando o que merece ser
destacado”, sublinha o produtor e arranjador musical.

Keith Jarret live in Japan 1984 “Somewhere over The Rainbow” faria parte da
bagagem.

António Pinto, criador de instrumentos, arrepia-se com o “Hino da Alegria” de
Beethoven, flutua em viagens astrais em busca do som perfeito. “Falar sobre a
música é difícil e, por muito que se diga, falta sempre alguma coisa, uma vez que
ela é de origem celestial e só os ecos dessa música celeste chegam até ao mundo
físico. Mas, desde criança, o pouco que fui captando desses ecos tomou conta da
minha vida. E para que nunca me possa separar deles, de forma intuitiva, enveredei
pela criação de instrumentos musicais de percussão”. Bonito.

João Pedro Gouveia foi criador da primeira publicação periódica sobre música pop
rock em todo o Portugal (Continental, Insular e Ultramarino), Onda Pop, publicada
em Moçambique. Muito mais tarde continuou a sua edição em formato digital. Na
sua edição em papel estávamos em finais dos anos 60 e continuou a surfar a onda
psicadélica durante a década década de 70. Não tem dúvidas: “Good Vibrations”
dos Beach Boys lidera uma lista que inclui “Ruby Tuesday” dos Stones e “Me and
Bobby Mcgee” interpretada por Janis Joplin, entre outros temas. Os gloriosos anos
60/ 70! É muito importante preservar todos os formatos que se debrucem sobre o
som, sejam em papel, analógico ou digital. Essa é, também, uma das minhas áreas
de trabalho.

A música cura! José Guilherme Assis apostou forte no estudo e aplicação da
musicoterapia, e desde logo afirma ser decisivo para o equilíbrio de corpo e mente a
aprendizagem transnatal, o conjunto de sons a que qualquer bebé está sujeito ainda
na barriga da mãe. Aconselha que sejam sons variados, de diversas culturas, para
que a mente fique aberta a outras realidades, ensina a Neurologia. Absorveu
influências do classicismo ao romantismo, folclore minhoto e algum fado, “Only You”
dos Platters, “Alma, Coração e Vida” do peruano Adrian Flores, enfim, uma palete
de sons que aplica nos seus tratamentos terapêuticos, com efeitos benéficos que
incluem a atenuação e redução da dor, da ansiedade e dos níveis de stress.
Não podia deixar de referir a importância da música para a afirmação duma cultura
ou ideologia.

Em Macau, a Tuna Macaense cria música misturada, com sons e instrumentos
chineses e portugueses, cantando em Patuá. Para Victor Jorge, familiar de Camilo
Pessanha, “tentamos adaptar a musicalidade do poeta, nascida no Macau
português, na nova realidade trazida pelo atual Macau, agora chinês”. Escolheu a
nostalgia melancólica de “Tonne ♫ Guitar Classic” || Bie Zhi Ji, som ocidental em
melodia chinesa.

Em Goa, a música introduzida pelos jesuítas portugueses, música religiosa cristã,
aos poucos foi sendo absorvida na harmonia das composições locais. São inúmeros
os interpretes e as danças que misturam a cultura portuguesa e chinesa, desde logo
Sonia Shirsat, que se destaca por ser uma das maiores promotoras do fado no
estado indiano de Goa. Em 2016 avançou com o movimento “Fado in the city”, para
divulgar o género musical junto das gerações mais novas e promover sessões em
locais fora do habitual. Criou uma escola de fado onde já ensinou cerca de 300
alunos. Encontra referências na fadista Severa e em fados de Maria Alice. Para
Dhruv Athreye, jovem músico indiano a viver em Bangalore, afirma usar a música
para meditar, relaxar, flutuar. O guitarrista interpreta samba e bossa nova, além de
temas clássicos do Hindustão, clássica.

Nota final: para a Ilha Deserta eu levaria um tema estranho e planaste: “Matte
Kudasai” de King Krimson

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Joaquim Correia
Joaquim Correia
“É com prazer que passo a colaborar no jornal Regiões, até porque percebo que o conceito de “regiões” tem aqui um sentido abrangente e não meramente nacional, incluÍndo o resto do mundo. Será nessa perspectiva que tentarei contar algumas histórias.” Estudou em Portugal e Angola, onde também prestou Serviço Militar. Viveu 11 anos em Macau, ponto de partida para conhecer o Oriente. Licenciatura em Direito, tendo praticado advocacia Pós-Graduação em Ciências Documentais, tendo lecionado na Universidade de Macau. É autor de diversos trabalhos ligados à investigação, particularmente no campo musical

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