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Ser Comunista Aqui e Agora

Penso que vários leitores concordarão com alguns argumentos deste texto, mesmo não sendo comunistas.

Acabou de ser publicado um livro que considero importante, onde o autor, Pedro Tadeu, jornalista e analista político da CNN, entre outras intervenções públicas no âmbito do jornalismo, apresenta razões para se afirmar comunista. O título da obra é “Porque sou Comunista”, onde se defende que ideal comunista não está morto ou mesmo ultrapassado, nem faz qualquer sentido que seja comparado à extrema direita, nos perigos para a democracia que pode representar.

Independentemente da opção ideológica de cada um, torna-se necessário, direi essencial, entender qual a visão de um comunista e do PCP relativamente aos problemas contemporâneos, embora seja natural e até benéfico que um comunista não concorde com todas as posições política deste partido.

A forma como o livro foi organizado, distribuindo e explicando por diversos capítulos esta opção política, filosófica, social e económica, torna fácil estabelecer uma listagem que sintetize alguns exemplos, onde se sublinha a visão comunista da sociedade atual. Assim, propus-me realçar alguns dos que considero mais importantes, esperando não desvirtuar a visão do autor, juntando ainda reflexões da minha lavra. Penso que haverá leitores que concordarão com a maior parte do que aqui se escreve, mesmo não sendo comunistas. Ou pelo menos ficarão mais esclarecidos e talvez reconsiderem votar neste partido, mesmo sem se tornarem comunistas, claro.

No livro desmistificam-se acusações de dogmatismo, intolerância, defesa da violência ou inconsequência doutrinal.

Desde logo porque o autor do livro, militante do PCP, nunca teve qualquer problema em discordar pontualmente do Partido, o que desmistifica a ideia do “pensamento único”. Na verdade, o que acontece é existir descriminação negativa por parte de muitos orgãos de informação ou mesmo de cidadãos relativamente a quem se declara comunista, confundindo erros ou abusos de pessoas ou regimes com ideologia política. Os comunistas defendem a liberdade de expressão, desde que conforme com a Constituição da República Portuguesa. E acreditam na solidariedade entre as pessoas de todo o mundo, independentemente da sua cor, etnia, religião ou pensamento político.

Ser comunista não representa ter de ser pobre ou abdicar usufruir do que existe na sociedade, embora se deseje e lute por uma sociedade mais justa e igualitária. Ser contra os excessivos lucros da banca não implica recusar-se a depositar dinheiro no banco; saber que a maioria dos orgãos de comunicação não são isentos nos conteúdos, não implica deixar de estar atento às notícias ou comentários ou colaborar nesses orgãos de informação; saber que o desporto, nomeadamente o futebol, se tornou num negócio, não implica deixar de vibrar com a sua equipa; não ser ouvinte assíduo da chamada “música de protesto”, antes gostar de Rock, Hip Hop ou outros géneros modernos, não fere princípios ideológicos; saber que a democracia liberal defende o capitalismo, não implica recusar participar nas eleições; etc, etc. Mas existe a noção de que um dos grandes problemas do mundo atual, a degradação do ambiente, advém do consumismo desenfreado que é
imposto, direta ou indiretamente, pelo capitalismo.

O PCP é o único partido coerente com as suas ideias, mesmo que isso lhe tire votos. Não é oportunista. Contextualizar a invasão da Ucrânia pela Rússia não implica ser putinista. O regime capitalista de Putin nada tem a ver com a URSS, experiência socialista que, apesar dos fracassos e excessos, por vezes terríveis, representou uma importante fase na história da humanidade, trazendo grandes avanços no campo do direito ao voto, assistência médica e habitação gratuitas, nos direitos dos trabalhadores e das mulheres, etc. António Filipe, candidato do PCP à Presidência da República, já por diversas vezes o sublinhou.

O PCP não é violento, nem nunca foi, não utiliza fraseologia demagógica, defende princípios de forma serena e democrática. Foge ao radicalismo esquerdista demasiado apressado e pouco refletido, que tantas vezes, ao longo da história, “deitou fora o bebé com a água do banho”. Ser demasiado “woke” ou politicamente correto, por vezes, desvia a atenção das questões essenciais, relevando o acessório. Um excelente exemplo é João Ferreira, candidato da CDU à Câmara Municipal de Lisboa. Mas é verdade que, por vezes, as intervenções dos comunistas são pouco claras e atrativas…

Os comunistas não são contra as religiões (alguns até são crentes), mas entendem ser “justo que a sociedade dê direitos iguais a todos os homens e mulheres, sejam ou não tementes a Deus”. Nem são contra a propriedade privada, mas consideram que há diversos setores que deverão estar nas mãos do estado, como a saúde, energia ou a banca, onde não deve imperar o lucro mas o bem comum. Aceitam as decisões políticas de cada povo dum país, não apoiando sanções económicas ou outras, na expectativa de alterar o regime vigente. O internacionalismo proletário também representa que cada povo tem direito a escolher o seu destino, embora acreditando que é possível alcançar um tempo sem conflitos e sem fronteiras.

E dão as boas vindas à emergente Nova Ordem Mundial, multipolar, que enterre o mundo unipolar. O chamado Ocidente Alargado, encabeçado pelos EUA, nega criatividade e inteligência a povos que antes por si foram colonizados e subjugados, que agora se juntam nos BRICS e em outras organizações internacionais, com a República Popular da China a incrementar esse movimento no chamado Sul Global. Se os povos não cooperarem, com respeito mutuo, será difícil fugir do caminho para a guerra. Apenas reforçando a cooperação para a estabilidade e a segurança mundial e regional se encontrará a Paz. Já agora, o que mais atacam na União Europeia é a diminuição de soberania a que obriga os estados aderentes, que têm de acatar as decisões dos países ricos, como a Alemanha ou a França (mesmo assim, ambos se encontram em estagnação
económica). Mas o futuro trará profundas alterações neste projeto, que também se terá de adaptar aos novos tempos.

Ter orgulho na importância da língua portuguesa no mundo, não implica ser nacionalista e defender o colonialismo. A aproximação entre os povos, inerente ao globalismo (e os chamados Descobrimentos muito contribuíram para isso), é uma evolução positiva e inevitável do mundo, mas não tem que ser dominada pelo neoliberalismo e neocolonialismo, bem bastaram as atrocidades dos países colonizadores (escravatura, imposição de outra cultura, etc).

Novos países surgem, cada vez mais fortes, e muitos dos tais invasores da Europa (imigração) estão ligados, direta ou indiretamente, a essas novas potencias . Tem de existir respeito por todos os países, seja qual for o regime vigente. E claro que não entendemos que exista qualquer “invasão islâmica da Europa” ou de qualquer outra religião ou etnia, antes encaramos as migrações como sendo inerente à globalização, desde que sejam cumpridas as regras de cada país acolhedor. E misturar culturas é sempre positivo…

Mas condenam firmemente a invasão e o genocídio que Israel leva a cabo em Gaza e na Cisjordânia! Apoiam o reconhecimento do Estado da Palestina e do Estado de Israel, com todas as inevitáveis consequências: agora, mais que nunca, Israel está a invadir um estado soberano!

Continuam a acreditar na luta de classes, onde existem interesses divergentes, embora o significado atual não coincida com o do Manifesto do Partido Comunista surgido em 1848. Mas é desta luta que têm surgido as grandes alterações sociais e económicas na história da humanidade, mesmo antes do capitalismo, que se manifestaram de diferentes formas, dependendo do modo de produção dominante.

A classe explorada revolta-se contra os exploradores: na escravatura, senhores escravistas /escravos (ex: Revolta de Spartacus); no feudalismo, senhores feudais/ servos (ex: Revolta dos Camponeses (1381); na sociedade capitalista, burguesia / proletariado (ex: greves, movimentos operários), até se chegar a uma sociedade sem classes, onde a ganância deixe de ser o que define o lucro. Atualmente, o proletariado cooptou vários outros extratos sociais, tornando difícil definir com exatidão o conceito de classe social. Mas a noção explorador/ explorado continua bem presente, numa relação desigual, estando sempre o trabalhador na posição mais fraca. E não será com as leis do mercado “à solta” que a sociedade se tornará mais justa!

E para terminar, ninguém poderá ”acusar” os comunistas de alienarem as pessoas, dando pouco valor à cultura, como se comprova com a organização da Festa do Avante, desde 1976.

Todos estes exemplos – e não passam disso, poderiam ser muito mais – necessitariam de desenvolvimento e maior e melhor aprofundamento teórico, que não cabe nestas páginas. Por isso aconselho vivamente, a leitura do livro de Pedro Tadeu, até porque é dos raros jornalistas assumidamente comunista, que tem frequente intervenção na televisão

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Joaquim Correia
Joaquim Correia
“É com prazer que passo a colaborar no jornal Regiões, até porque percebo que o conceito de “regiões” tem aqui um sentido abrangente e não meramente nacional, incluÍndo o resto do mundo. Será nessa perspectiva que tentarei contar algumas histórias.” Estudou em Portugal e Angola, onde também prestou Serviço Militar. Viveu 11 anos em Macau, ponto de partida para conhecer o Oriente. Licenciatura em Direito, tendo praticado advocacia Pós-Graduação em Ciências Documentais, tendo lecionado na Universidade de Macau. É autor de diversos trabalhos ligados à investigação, particularmente no campo musical

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