Namasté, na sequência da nossa viagem pelos Ensinamentos Secretos e Eternos, com inspiração na maravilhosa obra de Manly P. Hall, chegamos hoje a um dos mais belos e enigmáticos capítulos da tradição mística: a Cosmogonia Qabbalística.
O tema é vasto e profundo. Não se trata apenas de uma história sobre o início do Universo, mas de uma linguagem simbólica que procura responder à pergunta mais antiga e essencial: como o Infinito se revela no finito?
Não falamos de um mito morto, mas de uma visão viva — uma chave que abre tanto o cosmos exterior como o nosso cosmos interior.
O Mistério do Ein Sof – O Infinito Oculto
Na Cabala, antes da Criação existia apenas o Ein Sof, literalmente o Sem-Fim.
O Zohar diz:
“O Infinito é tão oculto que nenhum pensamento o pode compreender, nenhum olho o pode ver, nenhum nome o pode nomear.”
O Zohar – O Livro do Esplendor
O Zohar apareceu no século XIII, em Espanha, pela mão de Moisés de León (Moshe de León, 1250–1305), um cabalista castelhano.

Ele afirmava não ser o autor, mas apenas o transmissor de um texto muito mais antigo, atribuído ao sábio rabino do século II, Shimon bar Yochai.
Segundo a tradição cabalística, Shimon bar Yochai teria recebido revelações secretas enquanto se escondia numa caverna durante perseguições romanas.
Ali, meditando com o seu filho por treze anos, teria ditado visões místicas sobre a Criação, os mundos espirituais e a alma humana.
O Zohar foi escrito num aramaico poético, cheio de metáforas, símbolos e enigmas. Não é um livro linear ou racional — é um rio de visões.
Fala de “rios de luz”, “câmaras secretas”, “vestes da alma”, “mundos dentro de mundos”.
O Zohar é essencialmente um comentário esotérico à Torá, mas o faz revelando “os segredos por trás da letra”:
A Criação do Universo (o Ein Sof e as Sephiroth).
A natureza da alma e as reencarnações (gilgulim).
A luta entre a luz e a escuridão.
O papel do ser humano como co-criador no plano divino.
O Zohar marcou profundamente o misticismo judaico e toda a tradição esotérica ocidental. Inspira até hoje estudos na Cabala Luriânica (Isaac Luria, século XVI) e influenciou alquimistas, rosacruzes e até pensadores cristãos místicos.
O Ein Sof não é uma entidade com forma, mas uma plenitude sem limites, um mar silencioso onde nada está separado.
Mas, paradoxalmente, esse mesmo Infinito desejou manifestar-se. Os cabalistas chamam a esse primeiro gesto de amor Tzimtzum — a retração divina.
O Infinito contraiu-se, abrindo um espaço vazio no qual a Criação pudesse emergir. O vazio não é ausência: é ventre. É a matriz onde a luz pode nascer.
A Emanação da Luz – As Dez Sephiroth
Do centro desse vazio, uma primeira centelha rompeu: a Or Ein Sof, a Luz Infinita.
Essa luz não se derramou de uma vez, mas gradualmente, em dez manifestações sucessivas: as Sephiroth.
A Árvore da Vida, como é conhecida, é um dos mapas mais profundos do esoterismo universal.
Kether, a Coroa, é a primeira ideia da Criação, o ponto sem dimensão de onde tudo parte.
Chokmah (Sabedoria) e Binah (Entendimento) formam o Pai e a Mãe cósmicos.
Chesed (Misericórdia) e Geburah (Rigor) são os braços da ordem divina.
Tiphereth, a Beleza, é o coração radiante da Árvore, o equilíbrio entre todas as forças.
Netzach (Vitória) e Hod (Glória) são as colunas do sentir e do pensar.
Yesod, o Fundamento, é o espelho onde tudo se prepara para se tornar real.
Malkuth, o Reino, é o mundo em que vivemos — a Terra, a matéria, a experiência sensível.

Cada Sephirah é um universo, uma qualidade da alma divina e também da alma humana.
Como afirma o Sefer Yetzirah:
“Dez Sephiroth de nada… dez e não nove, dez e não onze. Entende com sabedoria, investiga com inteligência, examina com ciência, e faz com que cada coisa esteja no seu lugar.”
A Quebra dos Vasos – O Drama da Criação
Mas a história da Criação não é apenas harmonia.
O Zohar conta que, ao receber a intensidade da luz, os primeiros recipientes se quebraram. Esse evento é conhecido como Shevirat ha-Kelim, a quebra dos vasos.
A Luz Infinita fragmentou-se em miríades de centelhas, dispersas pelo cosmos.
O mundo nasceu imperfeito, inacabado.
Cada pedra, cada árvore, cada ser humano, guarda dentro de si uma faísca dessa luz primordial.
E a grande missão da humanidade é participar da Tikkun, a restauração: recolher as centelhas, reunir o disperso, reintegrar a Unidade.
O mestre Isaac Luria dizia:
“Cada ato justo é uma reparação dos mundos. Cada gesto de amor recolhe uma centelha caída. A Criação não terminou — nós a continuamos.”
Isaac Luria – O Ari, o Leão da Cabala
Isaac Luria nasceu em 1534 em Jerusalém e faleceu em 1572 em Safed (Israel), com apenas 38 anos. Apesar da vida curta, deixou um legado imenso.

Era chamado de O Ari (em hebraico ha-Ari = “O Leão”), abreviação de Ashkenazi Rabbi Isaac — mas também interpretado como símbolo de sua força espiritual.
No século XVI, a cidade de Safed, na Galileia, tornou-se um centro excitante de misticismo judaico. Foi ali que Luria reuniu discípulos e fundou a corrente conhecida como Cabala Luriânica.
Luria trouxe novas interpretações para a Cosmogonia Qabbalística, expandindo os ensinamentos do Zohar:
Tzimtzum – A retração divina
Descreveu o mistério da contração do Infinito (Ein Sof) para criar espaço onde o mundo pudesse surgir.
Para Luria, este não é apenas um evento cósmico, mas uma lição de humildade e amor: até o Infinito cede lugar ao outro.
Shevirat ha-Kelim – A quebra dos vasos
A luz divina, ao descer pelos vasos das Sephiroth, quebrou-se em fragmentos.
Este mito explica a imperfeição do mundo e a dispersão da luz.
Tikkun Olam – A reparação do mundo
A missão da humanidade é recolher as centelhas de luz espalhadas e restaurar a harmonia da Criação.
Cada ação justa, cada oração, cada gesto de amor ajuda a “reparar os vasos” e trazer o cosmos de volta à sua unidade.
Luria não escreveu praticamente nada — foram os seus discípulos, sobretudo Chaim Vital, que registaram seus ensinamentos.
A “Cabala Luriânica” tornou-se a base da mística judaica moderna e ecoa até hoje, inclusive no conceito judaico contemporâneo de Tikkun Olam (agir no mundo para o transformar).
Luria também ensinou sobre o ciclo das reencarnações (gilgulim) e a interligação profunda entre todas as almas humanas.
A Cosmogonia como Psicologia da Alma
É fácil pensar nesta narrativa como algo distante, “lá em cima”, no início dos tempos.
Mas os cabalistas sempre insistiram: esta história é também a nossa história interior.
O Ein Sof é o nosso ser mais profundo, além de nome e forma.
O Tzimtzum é a contração necessária para nascermos como indivíduos.
A Luz que se fragmenta são os nossos pensamentos dispersos, as nossas feridas, os nossos desejos.
O Tikkun é a nossa jornada de integração, cura e despertar.
Assim como o Universo, também nós estamos em processo de reintegração.
Ecos Universais
Se olharmos bem, a Cosmogonia Qabbalística dialoga com muitas tradições:
No Egito, o deus Atum emergia das águas do caos primordial para gerar a criação.
Na Índia, Brahman manifesta-se em múltiplas formas através de Maya, o véu da ilusão.
Na Grécia, do Caos surgem Gaia e Eros, as primeiras forças criadoras.
Todas falam de um Uno que se divide para se conhecer, e de uma multiplicidade que busca regressar ao Uno.
A Árvore da Vida como Caminho Iniciático
Não é por acaso que a Árvore da Vida é usada em rituais iniciáticos e meditações místicas.
Ela não é apenas um diagrama — é um mapa da ascensão da consciência.
Subir a Árvore é voltar ao princípio.
É transformar Malkuth, o mundo material, em altar.
É atravessar Yesod, as ilusões da mente, até Tiphereth, o sol interior.
É coroar-se em Kether, onde tudo é Um novamente.
Como diz um aforismo cabalista:
“Aquele que percorre a Árvore não sobe ao céu, mas desce ao coração.”
O Convite da Cabala
A Cosmogonia Qabbalística não pretende ser um dogma fechado. É antes uma linguagem simbólica, um convite a despertar o olhar interior.
Quando agimos com consciência, ajudamos na reparação dos mundos. Quando perdoamos, resgatamos uma centelha. Quando criamos beleza, participamos do ato eterno da Criação.
O cosmos não aconteceu uma vez — ele acontece agora, dentro e fora de nós.
O Silêncio como Chave
Os cabalistas insistem que nenhum livro, por mais sagrado, substitui a experiência direta.
O véu da Criação não se levanta com arrogância intelectual, mas com humildade e silêncio.
“Aquele que sabe não fala. Aquele que fala não sabe. O mistério revela-se no coração que silencia.”
Assim, o estudo da Cabala é menos acumulação de conceitos e mais transformação do ser.
Reflexo Final – A Luz em Ti
Quando olhamos para a Cosmogonia Qabbalística, vemos um espelho:
O Infinito que nos habita. As fragmentações da nossa vida. O chamado constante a restaurar, a unir, a amar.
O mundo é imperfeito porque a nossa missão é participar da sua perfeição.
A Criação não está completa porque espera por ti, por mim, por todos nós.
E talvez o maior segredo seja este: o mesmo Ein Sof que acendeu a primeira Luz é o que hoje acende o teu coração.
Que a Árvore da Vida floresça em ti, e que cada passo seja um ato de reparação, cada gesto um recolher de centelhas, cada respiração um eco da Criação eterna!
Até à próxima crónica! Namasté!
Para Atendimentos: 969472825
www.planetaimpacto.wixsite.com/novaera