Muitos amigos me perguntam, porque é que a certa altura da vida, e depois de vários anos a viver no centro de Lisboa, decidi fazer uma mudança, mudar de armas e bagagens e partir para o campo, ou mais precisamente, para os lados da serra.

Digamos que não foi uma coisa planeada, mas existiram factores diversos que influenciaram uma decisão com implicações evidentes nos hábitos mais comuns, como ir ao café, ao supermercado, ao barbeiro, à farmácia ou mesmo à livraria, sendo que neste caso, uma das minhas favoritas e agora entregue aos desígnios de um franco franchise, se encontrava exactamente ao virar da esquina.
Foram vários os motivos na base desta mudança, embora estas decisões não tenham, necessariamente, uma explicação racional. Por um lado, um certo desencanto com a mudança que Lisboa vinha sofrendo nos últimos anos, talvez em parte por causa daquele palavrão da gentrificação que entrou no nosso quotidiano, e para o qual nem todos estávamos preparados, como é o caso das famílias mais idosas dos bairros históricos e que, paulatinamente, foram sendo empurradas para fora das suas casas. Ou para lares, pressionados por familiares sequiosos de rentabilizar mais um espaço para alojamento local.
Mas, também, aquele encanto que Lisboa sempre teve, da cultura de bairro, do crescer a conhecer todos os vizinhos do prédio, do passear pelas ruas largas e dar dois dedos de conversa com conhecidos, ou aterrar no café de sempre e ficar horas a fio a falar de coisas banais, foi-se perdendo, enquanto nos fechávamos mais em casa, na zona de conforto do sofá e do telemóvel.
Lisboa foi-se tornando uma cidade mais cosmopolita, mas também mais barulhenta e suja, de ruas esburacadas, pegajosas e pejadas de turistas, tuk- tukes e trotinetas, numa espécie de contenda entre um passado que tenta persistir nas marcas da calçada à portuguesa, e uma modernidade importada, cujos sinais estão patentes no monopólio das padarias todas iguais nos sabores e no décor e nas marcas que se vêm em qualquer lugar do mundo onde o dólar, ou o euro, têm idêntico valor.
Ao passear nas ruas deparamo-nos com novas caras, jovens e alegres, transbordando um certo ar de triunfo e conquista de espaços que considerávamos como nossos, como se fizéssemos parte um gangue de bairro que foi envelhecendo e perdendo o controle e o domínio do território para os arrivistas vindos de outras paragens.
Pior ainda, foi assistir ao desaparecimento precoce de amigos próximos, levados pela estupidez da doença e da morte, e que nos deixaram silenciosos perante a tristeza da sua ausência.
Mas, afinal, tem de haver algo mais profundo e determinante que nos leve a cortar as raízes com a cidade que nos viu crescer, onde aprendemos a ler, tivemos os primeiros namoros e desamores, de onde partimos em viagens mais ou menos longas, mas onde voltámos sempre à casa de partida.
Ou, não. Talvez seja apenas este nosso desejo íntimo de mudança, de conhecer novas paragens, agora mais calmas e arejadas, onde o verde domine em vez do cinzento pesado do cimento e do alcatrão, em que o barulho das sirenes e dos motores dê espaço ao silêncio e à quietude da serra e em que os novos vizinhos nos tragam essa sensação de pertença a uma comunidade forte, nem sempre amistosa, mas cuja amizade nos cabe conquistar.
No final, até que ficámos com o melhor de dois mundos, ancorados em novas paisagens de vinhas e serra a perder de vista, num bucólico cenário de pastagens e de quintas históricas, mas com a certeza que Lisboa está ali a uma hora de caminho, e que uma velha cidade por quem sempre fomos apaixonados, nunca nos volta as costas nem nos deixa esquecer que foi ali que tudo começou.