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Choque de realidade

Consulto uma fonte de inteligência artificial que me define Choque de Realidade como o “impacto causado por um facto inesperado que pode fazer com que uma pessoa deixe de idealizar e comece a enfrentar a realidade. Pode ser doloroso, mas também libertador”. Parece-me uma definição inteligente e bastante real, apontando para as seguintes consequências:

– Gerar a dissolução de ideações fantasiosas;

– Impulsionar o enfrentamento da existência;

– Obrigar a encarar a verdade;

– Levar a sair da zona de conforto;

– Levar a assumir responsabilidade pelas escolhas.

Estas consequências podem, segundo a mesma fonte, ter as seguintes vantagens ou benefícios:

– Ser o início de uma transformação genuína;

– Ser o primeiro passo em direção à liberdade e ao sucesso ou felicidade;

– Fortalecer a pessoa ou organização, pois só quando se aceita a verdade é possível mudar aquilo que está ao alcance de alguém.

Em política, é relativamente fácil formar ou seguir ideias fantasiosas, perdendo o pé à realidade. Ou porque essas ideias já existem, fruto de ideologias ou preconceitos arreigados, em pessoas sem mente aberta ou com fraco autoquestionamento, ou fruto de uma vivência fechada em bolha de pensamento único. Sem que se dê conta, fica-se desligado da realidade.

Mas pode ser pior. Quando confrontado com a realidade e a evidência, o indivíduo nega-a e rejeita-a, insistindo na fantasia e no engano. A resistência à mudança de perspetiva recorre a estratégias diversas, para se justificar e sustentar. Se conduz em contramão, são todos os outros que vêm em sentido contrário, obviamente. E, se os factos não validam a teoria, então mudem-se os factos, enviesando e deturpando até que encaixem a martelo.

Quem vive e age fora da realidade, mais tarde ou mais cedo tem-na pela frente e não escapa à colisão. Nesse momento, ou se adapta ou perece. Os anglo-saxónicos usam a expressão “fight or flight” (lutar ou fugir) para caraterizar este momento, podendo acrescentar-se “freeze” (gelar, paralisar) e “fawn” (submeter-se). Imediatamente ou a prazo – e com custos de diversa natureza – o choque é doloroso.

Se, geralmente, a realidade fica aquém da fantasia, casos há em que a realidade supera-a (ultrapassando a ficção, diz-se). Então, em vez de criar desilusão e frustração, a infirmação da expetativa pode gerar – além de surpresa – exultação, deslumbramento e fascínio, não devendo ignorar-se, todavia, que, em situações extremas, esta hiperrealidade pode tornar-se verdadeiramente assustadora e ameaçadora. The horror, the horror…

Em política (e não só) importa andar alinhado com a realidade. Todavia, e em bom rigor, nunca se anda. A perfeição não existe e constitui uma perigosa crença ou ilusão. Ou, dito de outra maneira, anda-se constantemente desalinhado e, por essa razão, deverá andar-se em permanente realinhamento. É isso que acontece quando, por exemplo, se conduz um automóvel, já repararam?

De facto, guiar um carro é mover consecutivamente o volante para a esquerda e para a direita, em permanente correção do rumo. Já reparou como esta é uma metáfora apropriada ao fenómeno político e seus princípios de alternativa e alternância? O mesmo acontece quando se pilota um avião, ele vai desalinhado com o aeroporto de destino em mais de 90% do tempo (até porque a Terra roda…).

Em democracia, quando genuinamente funcionam os indispensáveis “checks and balances”, o realinhamento faz-se geralmente a tempo, da base para o topo e sem choques significativos. Mas, onde domina ou predomina o pensamento único, o culto da personalidade e a atitude autocrática “de um homem só”, o realinhamento é bloqueado do topo para a base e o choque acaba por castigar toda a comunidade.

Vivemos este paradigma agora, com o “cancro trumpista” e suas metástases internacionais. O exemplo da imposição seletiva de elevadas taxas alfandegárias ao resto do Mundo é revelador da decisão fantasiosa – e eminentemente incompetente – de um protoditador sem escrúpulos. Não é o primeiro, nem será o último. Há sessenta e tal anos, também Mao Tsé-Tung lançou uma estúpida campanha de exterminação de pardais – que comiam o arroz, mas também comiam os insetos – causando a Grande Fome Chinesa e a morte de 30 milhões de pessoas.

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José Nascimento
José Nascimento
Tem 68 anos e vive na aldeia de Vale de Zebrinho (Abrantes). Reformado do ensino superior, onde lecionou disciplinas de gestão e psicologia social, dedica o seu tempo à atividade cívica e autárquica. É, também, membro do núcleo executivo do CEHLA – Centro de Estudos de História Local de Abrantes (editor da Revista Zahara). Interessa-se pelas dinâmicas políticas e sociais locais e globais, designadamente pelos processos de participação e decisão democráticos.

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