Foi com brutal surpresa cósmica que, naquela mistura entre a descoberta de um exoplaneta e a troca do óleo do automóvel, nos foi apresentado o Nono Planeta. Culpa do famoso Institute for Advanced Study, no estado de Nova Jérsia, que vem corroborar estudos anteriores. É verdade, isto. Um novo corpo celeste. Um calhau. Mas um calhau com pedigree. Um calhau que gira, com gravidade própria e (diz-se à boca cheia) sem grupos de WhatsApp. Um planeta inteiro sem notificações nem influencers. A Terra estremeceu. Não de inveja, mas de alívio.
Porque se há coisa que este planeta precisa é de concorrência.
O entusiasmo foi imediato. Elon Tesla fez um “tweet” telepático dizendo “Let’s terraform it, baby”, Jeff Amazon anunciou entregas grátis interplanetárias com drones alimentados a lágrimas de estagiários; Xinga Todi prometeu construir um centro comercial de 140 andares com vista para o vácuo, e Fernando Gomes — figura inelutável da economia Olímpica de Tondela — declarou que abriria a primeira loja de fotocópias do novo mundo.
A ideia é clara: fugir. Abandonar a Terra como quem abandona um jantar de Natal sem filhos — ou seja, com alguma culpa, mas sem remorsos.
E os motivos são sólidos, lê-se nos comunicados oficiais dos exploradores do espaço:
1. A Terra tem Segunda-feira. O Nono Planeta, até ver, não tem calendário. Isso basta.
2. Gravidade demasiado ansiosa. Aqui, tudo cai. No Nono Planeta, especula-se que os objectos apenas ponderam a queda. Isso já é filosofia.
3. Influencers. Não há registo de Wi-Fi. Logo, sem rede. Logo, sem “conteúdo”. Só silêncio e rochas. Um paraíso.
4. O conceito de “motivação empresarial”. No novo planeta, ninguém precisa de se reinventar como “líder de si mesmo”. Pode-se simplesmente existir. Como um cogumelo.
5. Jornais desportivos. Até à data, o Nono Planeta não publicou qualquer manchete com o título “Incrível! O número 10 vai decidir tudo!”.
6. O código de vestuário corporativo. No vácuo, as gravatas não funcionam. Um triunfo da física sobre o ridículo.
7. O TikTok político. Nenhuma criatura planetária foi vista a dançar com cartazes em defesa da liberdade do capitalismo emocional.
8. Os reality shows gastronómicos. Sem atmosfera, não há cheiro. Sem cheiro, não há chefs. Sem chefs, não há arrogância com redução balsâmica.
9. “Team building” em empresas com três funcionários e um cão. No Nono Planeta, presume-se que cada ser faz o seu trabalho sem precisar de construir torres de esparguete com fios dentários.
10. A existência continuada de PowerPoints com mais de 80 diapositivos. No novo planeta, ainda ninguém inventou o “bullet point”.
Aparentemente, só falta um bilhete de ida. Mas mesmo esse pode ser dispensável. Porque, na verdade, o simples facto de o Nono Planeta existir já abre uma brecha na normalidade terrestre. É como se a realidade admitisse, envergonhada, que tem uma porta dos fundos.
Donald Trump, figura orbicular e especialista em diplomacias com alçapão, anunciou com o ar de quem inaugura um hotel em Júpiter que já comunicou com o Nono Planeta. Declarou que os Estados Unidos decretaram um cessar-fogo permanente com toda a gente, menos Porto-Rico. O planeta não respondeu.
E aqui reside a mais perturbadora das hipóteses: e se o Nono Planeta já nos conhece… e decidiu ignorar-nos?
Um sinal mais claro de inteligência, diria.