Há momentos históricos em que a gravidade do mundo parece suspender-se numa ironia cósmica, como se Maquiavel tivesse decidido reescrever a sua obra principal como vaudeville (ou revista à portuguesa). Estamos perante um desses momentos raros, onde a comédia humana atinge proporções de tratado científico sobre a degeneração do poder em micro-dosagens
Nas secções locais do Partido Socialista, bem como em algumas concelhias, há delambidos gananciosos que impedem o regular funcionamento democrático dessas mesmas estruturas. Estes espécimes — que Lineu nunca catalogou, mas que Darwin certamente pressentiu — representam uma curiosa mutação da espécie política: evoluíram para sobreviver em nichos ecológicos de poder microscópico, desenvolvendo uma voracidade inversamente proporcional à sua relevância cósmica.
A doença, por causa das Eleições Autárquicas, espalha-se como um vírus, de origem estalinista, e ameaça colocar o PS no caminho dos seus congéneres franceses e italianos: um magnífico PUFF, sem apelo nem agravo, atirando-o para a sombra da incapacidade ideológica e do diálogo interno e externo. Curiosa patologia, esta, que transforma militantes em autómatos de assembleia, numa dança macabra onde Gramsci seria confundido com coreógrafo de opereta.
Estes títeres, eleitos por desatenção ou falta de pachorra de militantes mais ilustrados, comandam agora boa parte do chamado “aparelho”. O aparelho, coitado, está gasto e cansado, de tanto uso indevido. Imaginem um órgão de Barbieri tocado por um macaco: produz ruído, mas a música morreu algures entre a primeira e a segunda oitava. Em vários locais, por todo o país, nascem candidaturas “independentes”, que não são, senão, pessoas do PS que se fartaram da rolha anti-democrática que parece ter atingido algumas pessoas de pequeno poder no PS.
O PSD, que não está livre disto, mas disfarça ao estar no poder. E dá fogo à peça contra um Rato, gargalhando muito como as sarracenas ao passar a mão nas barrigas sem pelo dos Diogos Cães. Há aqui uma lição de botânica política: as plantas carnívoras riem-se sempre das que se devoram a si próprias.
José Luís Carneiro, o anunciado Secretário-Geral do partido, corre numas eleições para ser chefe, sem oposição. Coisa estranha, num partido que se demarcava de todos os outros por ser aberto, lugar de debate e respeito pelo humanismo. Se Carneiro está pronto a liderar o Baile das Bruxas, que ouça duas ou três vezes o Trovante e o Fausto. E a Ana Malhoa. Só bons conselhos. Ou concelhos.
Resta saber se desta catarse nascerá um novo capítulo da história socialista ou somente mais um episódio da infinita comédia humana. Talvez — e só talvez — os fantoches acabem por descobrir que o poder verdadeiro não se mede em centímetros quadrados de influência, mas na capacidade de fazer rir ou chorar quem os observa. E nós, espectadores desta farsa, continuaremos a aguardar o terceiro acto, algures entre o riso e a aflição, ao ver o PS raptado à beira do poço dos desejos medíocres e, finalmente, atirando-se lá para dentro.
Perdão, não o poço dos desejos. Mas a velha burra.