Enquanto Portugal se afoga em promessas por cumprir e municípios lutam para tapar buracos — uns nas estradas, outros nas contas — Castelo Branco decidiu remar contra a maré da contenção. Não com políticas públicas robustas, nem com investimentos estruturais, mas com… uma fonte multimédia de 740 mil euros. Sim, leu bem. Setecentos e quarenta mil. Euros. Para uma fonte.
Não é uma daquelas fontes onde a criançada se molha no verão ou os reformados jogam à sueca nas redondezas. Não. Esta é uma espécie de Estoril-by-Night com sotaque da Beira, uma orgia de luzes LED, colunas de som e jactos de água sincronizados, pensada para transformar a cidade numa discoteca ao ar livre. Tudo ao gosto do presidente da câmara, Leopoldo Rodrigues, conhecido nos corredores da edilidade como o Bocelli de Castelo Branco — sempre afinado para o espetáculo, desafinado para a realidade.
O Grande Espetáculo das Prioridades Invertidas
Enquanto há bairros à espera de pavimentação, escolas com infiltrações e famílias que sonham com habitação a preços humanos, o presidente decidiu canalizar quase três quartos de milhão de euros para um projeto que, em essência, serve para dizer: “Vejam como brilhamos!”. Literalmente. Com tanta luz, há relatos de cegonhas que se perdem no voo e de automobilistas na A23 que travam, convencidos de estar a entrar num festival eletrónico.
E ainda falta o som. Porque não basta jorrar água — ela tem de vir acompanhada de banda sonora. Amália, Quim Barreiros, talvez até Coldplay em noites temáticas. A fonte está equipada com altifalantes prontos a embalar casais apaixonados, ou, mais realisticamente, a fazer tremer os vidros das janelas do bairro mais próximo.
Leopoldo e a Fonte do Egocentrismo
O mais curioso (ou trágico) é o tempo escolhido para este espetáculo: três meses antes (Junho) das eleições autárquicas. Coincidência? Claro. Tal como foi coincidência aquele aumento de cartazes, aquele surto de inaugurações e a súbita multiplicação de palavras como “proximidade”, “cidadania” e “visão estratégica”.
Leopoldo Rodrigues está confiante. Acredita que o povo, com os pés molhados e os olhos ofuscados, esquecerá o resto: os anos de estagnação, as promessas por cumprir, os buracos reais tapados com festas e névoa LED. Se vencer, terá sinal verde para construir talvez um aqueduto com luzes laser ou uma rotunda musical. Se perder, há sempre o consolo de deixar uma herança brilhante — até que alguém desligue a tomada ou chegue a primeira fatura da eletricidade.
Pão e Circo? Não, Luz e Água.
Em tempos, dizia-se que o povo precisava de “pão e circo”. Por cá, retirou-se o pão, deixou-se só o circo. E nem é um bom circo — é daqueles onde o palhaço não tem piada e os animais já fugiram. Mas ei, temos luzes!
E a fonte? Ah, a fonte continuará lá. A jorrar memórias de um mandato que confundiu liderança com encenação, progresso com espetáculo, e governação com piromania orçamental. Porque no fim, a única coisa que realmente salta são os números — e não os da economia local, mas os dos euros lançados à água como se fossem moedas em Roma.
Epílogo aquático:
Se passar pela zona da devesa e ouvir música no ar, não se assuste. Não é o apocalipse, nem um concerto de verão. É só a fonte. A tocar. Com força. Enquanto lá dentro, na câmara, alguém sussurra com orgulho:
“Isto sim, é desenvolvimento sensorial.”
Sensato, é que não foi.