Eis-nos no funeral. Não o de um homem, mas o da Razão Colectiva. Trump, esse pantomineiro moderno, descobriu a fórmula para transmutar ouro embalas: exige que a Europa despeje cinco por cento da sua riqueza — não em escolas ou hospitais — mas no altar da indústria bélica. Portugal, esse ingénuo pagador de promessas, deverá sacrificar catorze milhões duzentos e quarenta e três mil euros anuais. Para quê? Para financiar drones que explodem como piões suicidas e balas que colhem vidas alheias como ceifeiras mecânicas.
Eis a primeira metáfora absurda que se revela precisa: chamemos-lhe Sisifismo Bélico. Empurramos um rochedo de armas até ao cume da “segurança colectiva”, sabendo que ele rolará para trás, exigindo mais armas, mais rochedos, mais despesa. O génio não está em vencer a montanha, mas em convencer Sísifo de que a queda é lucrativa. A NATO, essa máquina de moer orçamentos, já não se contenta com dois por cento do PIB. Agora exige cinco — um dízimo pós-moderno para a Igreja da Morte.
Para onde vai este dinheiro? Perguntai aos burocratas de gravata grená, que falam de “capacidades interoperáveis” e “dissuasão estratégica” como padres a recitar latim macarrónico. Será para um exército pan-europeu? Ou para comprar walkie-talkies franceses e helicópteros alemães que enferrujam em hangares alentejanos? Ninguém sabe. Mas todos sabemos que, quando se acumula stock bélico, ele precisa de ser gasto. Como um pudim de ovos que estraga: vende-se, aluga-se, ou explode-se num país distante. A lógica do mercado é clara — a paz é má para os negócios.
E a ameaça russa? Ah, essa quimera conveniente! Putin, esse ogre de cartolina, não tem fisgas para uma guerra continental. A Rússia é um tigre de dentes podres, rugindo para esconder a artrite. Mas o Complexo Industrial-Militar precisa de monstros sob a cama. Recordemos a Guerra da Orelha de Jenkins (1739): um conflito absurdo desencadeado porque um pirata exibiu uma orelha cortada num frasco. Hoje, a orelha é um drone abatido na Ucrânia — e nós pagamos o frasco de formol com quinze euros, cada um, por década.
Aqui jaz o verdadeiro escândalo: o Estado Social morreu asfixiado por estes orçamentos. A social-democracia, essa fénix cansada, cometeu harakiri ao abraçar os neo-conservadores. Os liberais aplaudem o “livre mercado” que vende misseis. Os “fachos” sonham com paradas militares. E os portugueses? Pagam. Sempre pagam. Este imposto da inevitabilidade é a maior corruptela financeira desde que os Médici vendiam indulgências.
O desfecho? Talvez um candeeiro de rua caia sobre estes génios belicistas. Não como ato de Deus, mas como poesia urbana: a luz que se apaga para iluminar o absurdo. Ou talvez não. Talvez continuemos a marchar para o abismo, entoando hinos à “segurança” enquanto vendemos os móveis para comprar balas. Resta uma esperança: que um dia, tudo se inverta. E que o chumbo dos projécteis se transforme, finalmente, em ouro para os vivos.