Tenho vindo a descobrir, com alguma angústia, que provavelmente não sou suficientemente apaixonado pela minha cidade. Ou isso ou a maledicência natural que se apoderou do meu pensamento e da minha visão, pois não consigo rever-me nos cenários idílicos e cor-de-rosa com que a têm “pintado” nalgumas redes sociais.
Reconheço que há conquistas e até algumas reconquistas, mas aquilo que se foi deixando perder é muito maior do que aquilo que, entretanto, se ganhou ou recuperou.
E recuso-me a embarcar na teoria de que o que se passa aqui seja o espelho do que se passa noutras cidades do interior, porque a minha exigência obriga-me a fazer comparações com os melhores e não com os piores.
Ao contrário de outros que utilizam uma visão seletiva ou se deixam ofuscar pelo brilho que por cá se vai “produzindo”, acho que o coração da cidade bate descompassadamente e cada vez mais fraco, parecendo que as ruínas que por lá abundam aguardam o momento certo para uma tragédia anunciada. E se algo vai começar a ser feito, não só leva anos de atraso como não tem mérito local, limitando-se a dar resposta a políticas centrais.
Bem sei que é mais fácil criticar do que apresentar obra ou soluções. Mas também sei que é hipócrita contar apenas meia-verdade da história.
Gerir é optar e o bom senso diz-nos que se deve optar primeiro por aquilo que é prioritário. Quando a gestão de prioridades deixa de fazer sentido e os recursos são gastos de forma questionável, percebemos que a “cultura do brilho” cega propositadamente para desviar a atenção daquilo que mais necessitamos.
Dentro de um ano, teremos eleições autárquicas “à porta” e voltaremos a ter a oportunidade de melhorar a nossa realidade, com novas pessoas, novas políticas, novas opções. E, nas semanas que as antecedem, poderemos voltar a ver a força e a essência do poder local.
Arruadas, políticas de proximidade que fingem ouvir as pessoas, conhecendo os seus problemas e as suas inquietações, palmilhando o terreno que fará parte do território que se vai governar, conhecendo as instituições e os agentes locais para desenhar parcerias que promovam o desenvolvimento local de forma sustentada.
São duas semanas que ajudam a treinar rotinas que não deviam ser perdidas nas duzentas e oito semanas seguintes, porque o poder local, consagrado na Constituição da República Portuguesa, deve ser exercido todos os dias… e não apenas nos poucos dias de campanha eleitoral.
Antes de tudo, importa que também nós, cidadãos, estejamos conscientes da nossa responsabilidade, que não negligenciemos o nosso dever cívico e que, antes de votar de cruz, saibamos votar em consciência, analisando os vários programas eleitorais e percebendo quais aqueles que melhor nos servem, para que amanhã possamos pedir contas pelos projetos adiados… que ”hoje” são prometidos.
Pode não parecer, mas, na minha opinião, o poder local é muito mais importante e tem muito mais força do que o poder nacional.
Porque está mais perto e porque devemos exigir que se mantenha essa lógica de proximidade. Por isso, é imprescindível que os eleitos continuem a sair dos seus gabinetes e venham ao terreno ouvir as pessoas.
Só assim será possível construir programas verdadeiramente inclusivos e com profundidade de conhecimento, os quais sirvam os interesses e resolvam as necessidades dos concelhos, das freguesias e das pessoas… porque o poder local é demasiado importante para ser minimizado, seja por eleitores, seja por eleitos.
Apesar de saber que, histórica e sociologicamente, prevalece uma inclinação que dificulta a novidade, e que, para ser honesto, a ausência de debate aumenta a probabilidade de que nada mude e continuemos com mais do mesmo – quando aquilo de que precisamos é de mais e diferente – também sei que só é impossível até acontecer.
Bem sei que estou a ser politicamente incorreto, mas não venderei o meu silêncio nem calarei a minha voz.
É, também, uma forma de contrariar o parágrafo inicial e provar que gosto muito da minha cidade e do meu concelho. E é, provavelmente, mais genuína porque é feita sem interesses nem encomendas.
Haja, pois, esperança porque as pessoas também sabem, podem e vão querer mudar, sobretudo agora que Abrantes tem Alternativa!