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Um Salazar em cada esquina?

Sempre me baralhou a junção de duas frases portuguesas, uma popularucha e a outra em forma de letra de música. Os defensores do ditador pedem, com urgência: “Um Salazar em cada esquina”. Vai daí, diz a Grândola: “Em cada esquina um amigo”. Esbardalho-me, se me permitem a expressão, quando penso em ambas ao mesmo tempo. Assim interpretado com uma mini na mão, a conclusão será que Zeca Afonso sugeria que Salazar era um amigo. Ou que os saudosistas querem um amigo revolucionário em cada esquina e que, para mais, Salazar seria um belo quadro do PCP.

Isto faz curto-circuito. Para já, não percebo a utilidade de um Salazar em cada esquina. Não sei quantas esquinas há em Portugal, mas devem ser milhões. Ora, António de Oliveira tinha um culto de personalidade bem construído, muito ajudado por uma propaganda feita para os 70 por cento de analfabetos. “Beba vinho”, dizia o cartaz desenhado por Mário Costa. Sopinha de cavalo cansado, o Nestum do Estado Novo. Se tivéssemos um Salazar em cada esquina, além de totalmente inútil, seria como criar uma guerra civil de egos entre milhões de «ditadores». Era uma parvoíce. Só aqui na rua, contei, há 26 esquinas. Pobre homem, desdobrado, duplicado, ao sol e à chuva.

Quem pede um Salazar em cada esquina está a pedir, naturalmente, um paternalismo de Estado em todo o lado. Essa ideia, que também serve de crítica feroz ao estalinismo mas de glória ao salazarismo, volta a fazer bzzzzt. Ora, é bom argumento aqui, mas horrível para o vampiro sanguinário dos sovietes. Não bate certo. A grande falta de auto-estima e de maturidade dos portugueses que desejam o homem de Santa Comba clonado revela apenas uma falha enorme do caminho democrático do País. Se já não somos analfabetos do bê-à-bá, somos analfabetos funcionais e muito pouco politizados. O Estado Novo foi mau para Portugal. Foi péssimo. Foi um horror. Mas houve coisas no Estado Novo, poucas, que foram bem feitas. O jeitinho português para a diplomacia protegeu o povo pobre e ignorante de uma guerra mundial e até negociou com os dois lados, para manter a paz e receber uns cobres.

Salazar, cujo mito de homem pobre e comedido é, naturalmente, uma inverdade (ver novo livro de Manuel S. Fonseca), podia ter feito como o Getúlio. Mas não fez. E é triste pensar que soube que todos os tinham traído pêlos lábios de uma criança, ele na cama de hospital, ela filha de um amigo que o fora visitar, mas que tinha medo de lhe contar a verdade – que o seu Estado Novo tinha já um Marcello ao leme. E gozavam com o enfermo no faz-de-conta de que ele ainda era primeiro-ministro, quando já não o era.

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Tenho a impressão que se o dr. Oliveira cá voltasse mandava passear os que o querem nas esquinas, qual meretriz. Ia às campas dos que com ele gozaram e profanava a eito, cheio de razão. E depois de levar uns valentes tabefes por ter tido a Pide e aniquilado a democracia, depois de passar uns tempos a cumprir pena como mandava os outros ter, sossegava. E não me ensaio de pensar que se filiaria no CDS ou PSD (nunca no Chega, teria nojo) e, como isto anda, ainda ganhava as presidenciais ao Almirante Seringa.

Uma certeza tenho: Salazar, o botas que nos atrasou 40 anos, nunca mais faria pedicure em cadeira de lona. Isso é que não.

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Joao Vasco Almeida
Joao Vasco Almeida
Jornalista, autor, (pré-agricultor).

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